6/30/2005

Os coelhos estão entre nós



Gretchen: Donnie Darko? What kind of name is that anyway? Sounds like a superhero or something.

Donnie: What makes you think I'm not?

[P.M.]

6/28/2005

Caprichos

Dizer que estes espectros e estes espíritos são invisíveis tem tanto valor para mim como se dissésseis o que eles não são em vez de dizerdes o que são; a menos, talvez, que queirais dizer que estes espíritos se tornam ora visíveis, ora invisíves, ao sabor dos seus caprichos, e que a imaginação terá certo embaraço em explicar a coisa, como em outros casos impossíveis.

(Espinosa, Carta a Hugo Boxel (1674), em Sobre Espectros e Espíritos, Teorema) [P.M.]

Gaudium et spes

António Costa Pinto e Rui Ramos são os convidados do É A CULTURA, ESTÚPIDO, que vai ter lugar no próximo dia 29 de Junho (quarta -feira), às 18.30h, no Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz. O debate deste mês é, como sempre, moderado pela jornalista Anabela Mota Ribeiro, e é inteiramente dedicado ao tema «Portugal Contemporâneo», a partir do livro com o mesmo nome, coordenado por António Costa Pinto. Poderá também ouvir as escolhas dos críticos e jornalistas residentes: Daniel Oliveira, José Mário Silva, Pedro Mexia, João Miguel Tavares, Nuno Costa Santos e Pedro Lomba. Esta é a última sessão do EACE.

A preto e branco (2)

«Atacar João César das Neves é muito previsível e por isso muito desinteressante». Assim começa o seu post «A preto e branco». Ao princípio, quando comecei a escrever, pensei que ia acabar com um longo email, rebatendo-o ponto por ponto. Mas seria inútil, por isso o meu objectivo será bem mais modesto.

«No entanto, eu vos digo que todo aquele que se divorciar de sua esposa, a não ser por causa de fornicação, expõe-se ao adultério, e quem se casar com uma mulher divorciada comete adultério» (Ev. Mateus 5:32).

O acima são palavras de Jesus Cristo. Como devemos entender estas palavras? Está Jesus a «propor um modelo de comportamento»? (curiosa expressão). Um cristão é, literalmente, um seguidor de Cristo - tudo o resto são tretas. Em matéria de moralidade, «o modelo de comportamento» (expressão mesmo engraçada) foi sempre o mesmo. É-o desde Abraão, desde a Lei dada aos Judeus, desde os tempos dos Apóstolos, dos primitivos Cristãos, de todas as Igrejas Cristãs. Se a mundividência de JCN é estranha, é estranha desde há milhares de anos. E qual é a responsabilidade de um cristão perante este «modelo de comportamento»? Em nome de quê, devemos rasgar os ensinamentos sobre «temas privadíssimos como a masturbação e a virgindade» que os Apóstolos nos legaram?

E por favor, não diga que o que está em questão é um problema de liberdades individuais, porque sabe muito bem que não é. Tanto JCN como este que lhe escreve, aceitam perfeitamente que vivemos numa sociedade democrática em que as pessoas têm o direito de fazer o que quiserem no domínio do privado sem pedir licença a quem quer que seja. Sei que somos adversários, que estamos em lados opostos nesta guerra espiritual. Também tenho consciência que estou do lado que está a perder, e certamente continuarei a perder. Sei também que não vou ser eu a persuadi-lo do que quer que seja.

Como confesso leitor de Kierkegaard, sabe certamente que ninguém alguma vez se converteu ao Cristianismo por persuasão intelectual. Mas queria aqui abandonar o lado belicoso e pedir-lhe para responder/comentar (de preferência no seu blog) as minhas perguntas.

Compreenderei perfeitamente se não responder e simplesmente deitar para o lixo este email. Há coisas bem mais interessantes para fazer do que responder a perguntas de estranhos impertinentes. Espero apenas que se não responder não seja com a estafada razão de este tipo de questões religiosas e morais ser pessoal. Quem responde assim, não é por verdadeiramente acreditar que a religião seja uma questão do foro pessoal que não é para ser discutida em público; quem responde assim é porque não tem religião e não tem verdadeiramente nada para discutir.


Gonçalo Rodrigues

Caro Gonçalo: Digo que o cristianismo «propõe um modelo de comportamento». Digo e repito. O Gonçalo acha estranha a expressão. Que parte da expressão? Imagino que seja o «propõe». Mas se não é uma proposta é exactamente o quê? Não certamente uma imposição. A «curiosa» expressão é usadíssima por padres e leigos (nada «progressistas») para indicar que o cristianismo tem determinados valores e que os apresenta a quem os quiser seguir (livremente). Não encontro nisso nenhum aspecto curioso.

Diz o Gonçalo que a moralidade cristã foi sempre a mesma. Desculpe, mas é uma afirmação sem sentido. Em dois mil anos de mundo e nos quatro cantos do mundo a moralidade cristã (e a moralidade sexual em especial) foi imensamente mutável, de acordo com problemas e sensibilidades particulares, com numerosas disputas teológicas, com alterações na sociedades. Há com certeza princípios básicos que não mudam, mas a adaptação ao concreto assume formas tão diversas que supor que temos a mesma exacta moralidade de um cristão africano ou de um cristão renascentista é um delírio. E a ideia de que temos a mesma moral sexual de Abraão, um delírio total.

O que critico nas homilias apocalípticas de JCN é uma inflexibilidade total quanto ao caso concreto, matéria muito diferente da firmeza nos valores. Para César das Neves, os pecadores (que somos todos) não possuem consciência ética, são uns alienados vítimas das modas e dos media, uns bicharocos que nem sabem o que querem. Não encontro nesse argumentário uma sombra sequer de sensibilidade ou compaixão, apenas uma certeza impante de um convertido que se presume sem telhados de vidro e que critica a sua época, por completo, de uma penada, como se ele mesmo tivesse tocado a fímbria do manto de Cristo e nós lhe reconhecessemos alguma autoridade para nos trovejar com o seu diagnóstico tosco.

Quando o Gonçalo escreve: «o cristão é, literalmente, um seguidor de Cristo - tudo o resto são tretas», parece que para si tudo é imediato e evidente no cristianismo. Parece que encontra sempre para todos os problemas uma visão transparente e cristalina (e a única admissível). Coisa sumamente estranha, tendo em conta que os teólogos e mesmo os santos andam a discutir tudo e mais alguma coisa (por vezes com grande violência) há vinte séculos. Nem São Paulo e São Pedro tinham opiniões semelhantes nalguns assuntos. E se dois apóstolos podem discordar, eu também posso com certeza discordar de si (e vice-versa). Sem atestados de apostasia.

Eu não pretendo «rasgar» coisa nenhuma que os Apóstolos nos tenham legado (embora os Evangelhos tenham costas demasiado largas para o que lá está efectivamente escrito). Mas sou contra o discurso moral maniqueísta, contra esse discurso que ignora as circunstâncias concretas, que apouca a liberdade individual, que menospreza a capacidade de cada cristão conduzir a sua vida em consciência e prestando apenas contas disso ao seu Deus, o qual não me consta que seja colunista de jornal.

Mas o argumento que mais me inquieta no seu mail - e que aparece sempre nestas discussões - é a sugestão de que eu não sou cristão, apenas porque discordamos nuns tantos pontos. Os cristãos fiéis a «Abraão» têm essa mania que muito me irrita de dizerem aos outros quem é ou não é cristão.

Um cristão é aquele que está unido a Cristo pela sua fé. E a fé tem uma dimensão puramente transcendente, inexplicável e que, como o Gonçalo recorda, não é passível de nenhum discurso intelectual satisfatório. O mais são preservativos e outras mundanidades que importam muito mas que não importam nada perante a dimensão espiritual.

Considero as matérias de fé mais importantes que as matérias de costumes. O Gonçalo, como outros católicos que me têm excomungado na blogosfera, acha que não. Está no seu direito. Mas espero que me reconheça o direito de ter uma opinião diferente da sua.

Eu continuarei teimosamente a não confundir Abraão com César das Neves. [P.M.]

Adenda: o Gonçalo Rodrigues responde aqui.

O binómio

Há coisa de um mês, um pedaço de um quarteirão aqui meu vizinho entrou em colossal colapso. Apareceram logo os bombeiros e as televisões.

Um jornalista pediu a um bombeiro uma descrição das operações de rescaldo. Este respondeu: «Neste momento vamos avançar com o binómio homem/cão».

Assim mesmo: «O binómio homem/cão». Chiça. [P.M.]

Verano azul



Já comprei, naturalmente. Mas confesso que tenho algum medo de abrir o celofane. [P.M.]

6/27/2005

A preto e branco

Atacar João César das Neves é muito previsível e por isso muito desinteressante. Eu, como imensa gente, acho as suas opiniões em matéria de costumes quase sempre estapafúrdias, sobretudo devido ao estilo fradesco e ao tom apocalíptico. Mas, a cada texto, aparece sempre quem o conteste de imediato (com bons ou maus argumentos), e isso torna dispensável um coro excessivo.

Houve uma vez que me senti mais propenso a cascar em César das Neves: quando este criticou a masturbação, esse direito fundamental de todos os cidadãos e cidadãs(contrariando aliás o seu hábito de só atacar práticas minoritárias). Mas este texto de JCN inclui uma menção que me parece importante sublinhar para entender a sua estranha mundividência.

Escreve JCN, num tom de quem desaprova: «Mas no campo sexual a única regra admissível é fazer-se o que se quer, sem ninguém ter nada com isso».

Eu pensava que no campo da sexualidade só valia precisamente o princípio da liberdade individual. Desde que se trate de actividades consensuais entre adultos. Defender o contrário disto nem sequer é moralismo. É totalitarismo. Na definição clássica, o totalitarismo distingue-se do autoritarismo por não admitir nenhuma esfera privada inexpugnável. É essa a precisamente a tese de JCN, que se inquieta com o que as pessoas fazem em privado com os seus corpos.

O que as pessoas fazem no domínio sexual diz apenas respeito a essas pessoas e às suas consciências e vontades. O cristianismo (entre outras religiões) propõe alguns modelos e comportamentos, mas geralmente não impõe (sempre que impõe é uma doutrina de opressão). É muito estranho que um cristão, um leigo como os outros, apareça agora armado em implacável juiz de quem se comporta de modo supostamente faltoso.

Repito, como elogio, o que César das Neves entende como crítica: «Mas no campo sexual a única regra admissível é fazer-se o que se quer, sem ninguém ter nada com isso». Gays, virgens até ao casamento, promíscuos, celibatários, masoquistas, assexuais, bissexuais, castos, moderados ou devassos. Cada um sabe de si. E ninguém tem nada a ver com isso.

César das Neves, como toda a gente, tem o direito de exprimir as suas concepções e de pugnar pelas suas convicções. O que me apoquenta é que as suas convicções denunciem uma obsessão negativa pela sexualidade dos outros. Não me refiro a temas como o casamento dos homossexuais, que tem uma dimensão pública e política que é discutível, mas às inquietantes referências ao que as pessoas fazem na sua vida íntima.

Uma pessoa que «faz o que quer» sem que «ninguém tenha nada a ver com isso» está no seu pleníssimo direito. E não precisa para nada de aprovações ou censuras externas.

Uma coisa é militar pelos valores cristãos (ou por um determinado entendimento desses valores) na campo público e legislativo. Outra coisa é esta estranha tentação de comentar do púlpito a intimidade dos outros, misturando tudo de um modo primário e não admitindo a autonomia individual.

Um cristão pode propor um modelo de comportamento. E pode lamentar que esse modelo não tenha acolhimento num determinado tempo ou numa determinada sociedade. O que um cristão não pode é julgar as pessoas com uma cartilha em preto e do branco, esquecendo a complexidade humana, os comportamentos contraditórios, os erros, ou simplesmente o direito de cada um conduzir a sua vida em privado como bem entenda.

O que um cristão não pode é tratar todos os outros (crentes ou incréus) como um carneirada decaída e sem consciência moral.

Há muitos cristãos que condenam comportamentos públicos e políticas públicas em matéria de costumes. Mas só padres e padres arcaicos é que se pronunciam em público sobre temas privadíssimos como a masturbação e a virgindade.

E este espectáculo de um professor de Economia nas vestes de severo confessor da pátria é uma coisa que nós francamente dispensamos.

(para o Lourenço)

[P.M.]

Yoko goes solo

A explosão do plástico é inevitável. Felizmente, um blogue novo faz-se em três minutos. [P.M.]

Beckett, errata

Uma citação de Molloy de Samuel Beckett apareceu algo desfigurada neste texto. Como é uma das minhas páginas favoritas, aqui fica a versão correcta:

Então, entrei em casa, e escrevi, É meia-noite. A chuva fustiga as vidraças. Não era meia-noite. Não chovia. [P.M.]

Jesus wants me for a sunbeam (2)

Gente obcecada com drogas («Heroin») e sado-masoquismo («Venus in Furs») a escrever uma cançoneta cândida e infantil chamada «Jesus»? Os caminhos do Senhor são misteriosos. O terceiro álbum dos The Velvet Underground, o mais suave e contemplativo (John Cale tinha entretanto saído), contém este estranhíssimo momento cristão.

2. The Velvet Underground, «Jesus», The Velvet Underground (1969)

Jesus, help me find my proper place
Jesus, help me find my proper place
Help me in my weakness
’cos I’m falling out of grace
Jesus
Jesus


[P.M.]

About

A: I do know what my songs are about.

Q: And what’s that?

A: Oh, some are about four minutes. Some are about five. And some, believe it or not, are about eleven or twelve.


(Bob Dylan, entrevista, 1966) [P.M.]

Comentários

Recentemente, três ou quatro blogues que visito com assiduidade encerraram as caixas de comentários ou instalaram sistemas de registo prévio para combater os insultos anónimos.

Desde que estou na blogosfera, mudei de opinião sobre muitas coisas. Menos numa: sempre considerei os comentários um convite aos canalhas. É isso mesmo que digo nesta passagem de um texto sobre blogues que escrevi para uma revista:

Os blogues permitem a existência de um sistema de comentários, em regime livre ou com inscrição prévia. Os comentários, volumosos sobretudo nos blogues políticos, têm de tudo: dichotes, ataques pessoais, emendas, respostas, pequenos ensaios. Pessoalmente, sempre fui contra os comentários. E só tenho encontrado gente que era a favor e se tornou contra, nunca o contrário. Os comentários, pela sua brevidade e pela sua tendência para o anonimato ou quase anonimato, potenciam o lixo, o boato, e mesmo ataques organizados. Uma caixa de comentários interessante implica um controlo constante por parte dos administradores do blogue. O que significa abrir a porta da liberdade de expressão para depois a fechar aos prevaricadores, com inevitáveis acusações censórias pelo meio. A percentagem de comentários proveitosos é ínfima. Os comentários são um simulacro de liberdade de expressão, e mais se aproximam de paredes de WC pública de que de um fórum de discussão digno desse nome (as cinco ou seis excepções confirmam a regra). Uma alternativa (que tenho usado), é publicar mails relevantes no blogue, comentados ou não. [P.M.]

6/26/2005

Foto tipo passe



[P.M.]

6/20/2005

Jesus wants me for a sunbeam (1)

Começo aqui uma tentativa de alinhamento de canções pop/rock cristãs. Não canções devotas nem necessariamente crentes, mas temas que usem vivências, motivos, linguagem e iconografia do cristianismo.

A primeira canção escolhida parte de uma famosíssimo aforismo bíblico: «É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus».

1. The Divine Comedy, «Eye of the Needle», Regeneration (2001)

They say that you'll hear him if you're really listening
And pray for that feeling of grace
But that's what I'm doing, why doesn't he answer?
I've prayed 'til I'm blue in the face

The cars in the churchyard are shiny and German
Distinctly at odds with the theme of the sermon
And during communion I study the people
Threading themselves through the eye of the needle
I know that it's wrong for the faithful to seek it
But sometimes I long for a sign, anything
Something to wake up the whole congregation
And finally make up my mind

The cars in the churchyard are shiny and German
Completely at odds with the theme of the sermon
And all through communion I stare at the people
Squeezing themselves through the eye of the needle



(contribuições deste e destes rapazes serão muito apreciadas) [P.M.]

6/19/2005

Notas parisienses (4)

A estátua equestre de Carlos Magno tem tanto verdete que parece uma metáfora. [P.M.]

Latrinas (3)

Julgo que foi Kundera quem escreveu que a existência dos excrementos prova que Deus não existe. Que a nossa condição é prosaica e vil e não feita a nenhuma imagem e semelhança. Mas também é possível que os excrementos nos lembrem apenas a nossa natureza prosaica e vil, isto é, que sejam uma imundície necessária para valorizar a nossa gloriosa imagem e semelhança. [P.M.]

Latrinas (2)

O romantismo de Jonathan Swift, em contrapartida, acabou duzentos e sessenta anos antes do meu, quando no poema The Lady's Dressing Room, (1732) pôs o amante Strephon a descobir que a sua amada Celia... como dizer? Cito: Thus finishing his grand Survey,/ Disgusted Strephon stole away / Repeating in his amorous Fits, / Oh! Celia, Celia, Celia shits! [P.M.]

Latrinas (1)

Acho que o meu romantismo acabou quando li um texto de Ingmar Bergman em que este confessava os seus problemas intestinais. [P.M.]

Eça tinha razão:

uma quinta no Douro com saída para o Chiado continua o paraíso. [P.M.]

Notas parisienses (3)

No Jardim do Luxemburgo não estava nenhuma adolescente de Rohmer. No mundo, existem adolescentes, e mesmo adolescentes inesquecíveis. Mas adolescentes de Rohmer só mesmo no cinema. [P.M.]

Dois anos de Aviz

Dar os parabéns ao Aviz (que comemora dois anos) é quase endogamia, sendo o Francisco um dos três extramundanos. Mas neste aniversário, a prenda é nossa, porque o camarada de Avis anunciou que vai escrever com mais regularidade no Fora do Mundo. [P.M.]

Notas parisienses (2)

A zona mais cativante de Paris chama-se «pântano» (Marais). E está cheia de judeus barbudos e de gays carecas (eu pelo menos não vi nenhum gay barbudo e nenhum judeu careca). [P.M.]

Acumulação de cargos

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(foto tirada na gasolineira Martinho perto de Belmonte)

Filipe Nunes. De dia, académico, assessor, bloguista. De noite, artista de variedades. [P.M.]

6/15/2005

Notas parisienses (1)

Em Paris, à entrada da estação de metro Cluny-Sorbonne, um casal estiloso e atraente discutia com empenho o conceito de «razão instrumental». A cada um os seus preliminares. [P.M.]

Hussardo

Alguns dos meus escritores favoritos são nomes célebres e consagrados: Beckett, Eliot, Kierkegaard, Tchekhov e outros. Mas há escritores que estão entre os meus mais amados e que muita gente desconhece. Desses menos conhecidos, o menos conhecido (por cá) é seguramente o francês Roger Nimier, que nasceu em 1925 e morreu num acidente de automóvel em 1962.





Chefe de fila dos chamados «hussardos», apaixonado e polémico, Nimier não é um génio da literatura (como os outros que citei) mas é alguém de quem me sinto muitíssimo próximo de imensas maneiras e a quem devo um certo modo de compreender a liberdade de espírito. Nimier escreveu ficção, crónica, crítica e mais ainda (algumas obras saíram postumamente). A sua filha, a romancista Marie Nimier, publicou em 2004 uma dolorosa evocação do pai em La Reine du silence (prémio Médicis). Entre os estudos e biografias, destaque para o minucioso Roger Nimier, hussard du demi-siècle (1995), de Marc Dambre.

Se quem escreve escolhe sempre os seus mestres, este é sem dúvida um dos meus. [P.M.]

Nota: recebi um mail do responsável duma nova editora portuguesa, a Livre, que me anunciou que a sua edição de estreia será precisamente «La Reine du Silence». E que é possível que Marie Nimier, filha de Roger Nimier, venha a Portugal apresentar o livro.

Casmurro

Manuel Portela, Pedro Serra, Osvaldo M. Silvestre, Abel Barros Baptista, Fernando Matos Oliveira, Luís Quintais, Gustavo Rubim. São autores de algum do mais estimulante ensaísmo português (e também poesia, no caso de Quintais) e mentores do pioneiro Ciberkiosk. Agora estão no blogue Casmurro, com patronos de truz: Machado de Assis e Groucho Marx. [P.M.]

6/14/2005

Eugénio em conversa

Encontrei uma única vez Eugénio de Andrade. Foi em 2001, na sua esplêndida Casa, por ocasião de uma sessão poética. Já me tinham contado algumas suas reacções intempestivas ou menos educadas para com alguns escritores novos. Comigo, Eugénio mostrou extrema cortesia e mesmo simpatia. Conversámos sobre poesia espanhola e inglesa e sobre o papel da crítica. Estivemos de acordo em tudo, nesses escassos minutos de diálogo. É uma recordação amável.

Devo dizer que não sei como teria reagido se Eugénio tivesse sido agreste. A sua poesia luminosa (mas também melancólica) talvez ficasse algo manchada para mim (sei de casos). Embora tenha tido algumas zangas com escritores que admiro, neste caso seria particularmente penoso um encontro aziago. Felizmente, a minha (volumosa) memória dos seus poemas fica bem acompanhada dessa minha (brevíssima) memória da sua pessoa. É um privilégio conhecermos quem estimamos. [P.M.]

6/13/2005

Eugénio de Andrade 1923-2005

O primeiro poema de Eugénio de Andrade de que me lembro: «Véspera da Água», de Obscuro Domínio, 1971. In memoriam.


Véspera da Água


Tudo lhe doía
de tanto que lhes queria:

a terra
e o seu muro de tristeza,

um rumor adolescente,
não de vespas
mas de tílias,

a respiração do trigo,

o fogo reunido na cintura,

um beijo aberto na sombra,

tudo lhe doía:

a frágil e doce e mansa
masculina água dos olhos,

o carmim entornado nos espelhos,

os lábios,
instrumentos da alegria,

de tanto que lhes queria:

os dulcíssimos melancólicos
magníficos animais amedrontados,

um verão difícil
em altos leitos de areia,

a haste delicada de um suspiro,
o comércio dos dedos em ruína,

a harpa inacaba
da ternura,

um pulso claramente pensativo,

lhe doía:

na véspera de ser homem,
na véspera de ser água,
o tempo ardido,

rouxinol estrangulado,

meu amor: amora branca,

o rio
inclinado
para as aves,

a nudez partilhada, os jogos matinais,
ou se preferem: nupciais,

o silêncio torrencial,

a reverência dos mastros,

no intervalo das espadas

uma criança corre
corre na colina

atrás do vento,

de tanto que lhes queria,
tudo tudo lhe doía.

[P.M.]

Na morte de Álvaro Cunhal

Sempre que morre uma pessoa que manifestamente não apreciávamos (uso um enormíssimo eufemismo), o comum «descanse em paz» é o único comentário decente. Nem barbarismo nem hipocrisia. [P.M.]

Caneco

Work out

Uma flexão contínua de conceitos. Uma espécie de musculação moral. [P.M.]

Casta

Quando dizes que a opinião de Z. te é de todo indiferente, estás a pôr Z. num patamar inferior. Ou mesmo numa casta inferior. Queres ser estóico, mas és meramente presunçoso. [P.M.]

Direito de veto

A frase mais pusilânime que conheço é esta: «Eu na altura pensava que gostava dela».

A frase correcta e decente seria assim: «Eu na altura gostava dela».

O que aconteceu entretanto a esse «gostar» pertence ao tempo que entretanto passou e ao que mudou no coração e no mundo. Mas o presente não tem direito de veto sobre o passado. Dizer o contrário é cair verticalmente num pântano moral. [P.M.]

Razão (2)

Por outro lado, não sei bem o que é «ter razão». Podemos dizer que Galileu tinha razão e o Santo Ofício não tinha, mas se passarmos para coisas mais comezinhas, não encontro muitas ocasiões em que alguém «tenha razão» de forma inequívoca. Sobretudo se estivermos no domínio da ética, em que os cenários não são geralmente a preto e branco e em que a razão é uma coisa esquiva no meio de tons de cinzento, sépia, pastel. [P.M.]

Razão

Não gosto nada que me dêem razão. Sempre que me dão razão, é porque antecipei correctamente um cenário negativo. Um pessimista com eu quer sobretudo não ter razão. [P.M.]

6/11/2005

Rádio Paris / Lisboa

Depois de uma semana parisiense supimpa, temi que o regresso custasse. Não custou. Lisboa meio vazia em meados de Junho é mesmo melhor que os Chans Elizês. E com preciosidades como o vídeo Carrilho e a entrevista Saraiva, temos posts. [P.M.]

6/02/2005

Schengen



Para comemorar os eventos, vou espairecer uma semanita algures em território europeu. A azulíssima Natalia toma conta do estabelecimento. [P.M.]

6/01/2005

Todas as razões são boas

Nalguns blogues e nalguns mails, os defensores do SIM lembram que havia gente pouco recomendável no lado do NÃO, e sublinham que na campanha foram usados argumentos perigosos, radicais, alarves, disparatados. É verdade. Mas, como escreveu o Miguel Freitas da Costa no DN, todas as razões são boas para votar NÃO. O importante é travar a «Constituição». Sobre más razões e más companhias acrescentarei alguma coisa em breve. [P.M.]

Acabou



Com o esmagador NÃO holandês acabou esta peregrina ideia de dotar 25 estados soberanos (mesmo se associados) de uma «Constituição». Acabou este texto protofederal, alheio ao sentimento dos povos, imbuído de um voluntarismo que ignorava muitas divisões políticas da Europa. Agora é altura de voltar à mesa das negociações, com gradualismo e sensatez. Demore o tempo que demorar. [P.M.]

Vamos a banhos

Primeiro de Junho. Regressaram as praias. E os anúncios da Calzedonia. [P.L.]

A palavra aos fundadores