4/27/2005

The Best

A Índia tem o melhor Gelado

A América tem o melhor Chocolate

A Inglaterra tem a melhor Fleuma

A Espanha tem os melhores Iscos

A Itália tem a melhor Névoa

Israel tem a melhor Auto-Paródia

O Canadá tem a melhor Luz

O México tem as melhores Águias

Portugal tem os melhores Círculos

O Egipto tem o melhor Papel

Marrocos tem os melhores Judeus

O Japão tem os melhores Vincos

Estive em muitos países

Morri quando deixei Montreal

Conheci mulheres que não compreendia

Fiz de conta que me interessava por comida

Mas era tudo O Medo da Neve

Era tudo a vontade de D--s

Era tudo O Coração

engolindo Os Outros Órgãos

Eram Cinco Dias de Verão

e Dois Dias de Primavera

Sobretudo era a Morte do meu Cão

A mágoa é o tempo para começar

A saudade é o sítio para me alegrar

Mas eu não comecei

A saudade é o sítio para me alegrar

Mas eu não comecei

e não me alegrei

Estava com preguiça em D--s

Livros abertos à minha volta

apesar dos meus esforços

continuavam a chegar ao meu quarto

E há uma laje de uma velha pedra

com inscrições cuneiformes

Quando vivia em Montreal

sabia o que vestir

tinha roupas velhas

e velhos amigos

e o meu cão tinha morrido

há apenas dez ou quinze anos

Felizmente não há espaço para arrependimento

na Pobreza destas Reflexões


(Leonard Cohen, "The Best") [trad. P.M.]

Se fossem só suecas estava no papo

Outros Nobel

E que tal outros candidatos heterodoxos, como Bob Dylan e Ingmar Bergman? Ou mesmo candidatos que sabemos que não aceitariam, como Julien Gracq e Herberto Helder?

Com um desses ficava eufórico. Mas aceito nordicamente o resultado, desde que o prémio não vá para o senhor Giscard d'Estaing (por obra de ficção cujo nome me escapa). [P.M.]

Canada dry

Mais notícias sobre a campanha «Cohen Nobel» aqui e aqui.

Entre os poetas premiados nos últimos trinta anos, Leonard Cohen não está no mesmo patamar de Eugenio Montale (1975), Vicente Aleixandre (1977), Czeslaw Milosz (1980), talvez Jaroslav Seifert (1984), Joseph Brodsky (1987), Octavio Paz (1990) e Seamus Heaney (1995).

Mas creio que merece mais o Nobel que os poetas Harry Martinson (1974), Odysseus Elytis (1979), Derek Walcott (1992) e Wislawa Szymborska (1996).

Nos últimos anos, contra todas as ancestrais expectativas, dei por mim a celebrar dois Nobel surpreendentes (Naipaul e Coetzee). Se Cohen ganhasse a imortalidade sueca, acho que eu apanhava um pifo de contar aos netos (dos outros). [P.M.]

Who's dating Sharunas Bartas

O post anterior vem dar razão a uma ilustre causídica da nossa praça que sustenta que eu tenho uma costela Caras. Admito. Mas é uma Caras que viesse como encarte da Sight and Sound. [P.M.]

Cute (2)

Maggie é, como sabem, irmã do inquietante Jake Gyllenhaal, aposta segura entre a novíssima geração. Mas descubro agora que também é namorada de Peter Sarsgaard (Boys Don't Cry, The Salton Sea, Shattered Glass, Garden State, Kinsey) um dos cinco ou seis actores americanos actuais de que mais gosto. God bless. [P.M.]

Cute

Qual a tradução portuguesa para «cute»? Não é exactamente «bonita». Nem mesmo «atraente». Embora pareça liceal, o termo «gira» parece o mais satisfatório. Exemplo de rapariga «cute»? Maggie Gyllenhaal (Donnie Darko, Secretary, Adaptation, Confessions of a Dangerous Mind, Casa de los Babies, Shattered Glass). [P.M.]

Cinema para adultos

Os filmes de John Sayles têm uma enorme vantagem no panorama americano: são sempre cinema para adultos. [P.M.]

4/26/2005

Ética para colunistas

Não escrevas o que mais ninguém pensa. Não escrevas o que toda a gente pensa mas ninguém diz. Ou então compra uma armadura. [P.M.]

1 Timóteo 6, 17

Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos. [P.M.]

Outro post cristão



(uma das menos conhecidas «provas da existência de Deus» de Santo Anselmo, o notável Argumentum Keira Knightley) [P.M.]

Por razões evidentes

Por razões evidentes, tenho lido muitíssimos textos sobre religião. Sobretudo textos de teólogos (de várias sensibilidades). Num desses textos, um ensaio que discute a «Teologia do Corpo», encontrei uma magnífica definição.

Nós sabemos como a sexualidade é por vezes sublime e por vezes degradante: mas acho quase comovente que um teólogo escreva que a sexualidade também pode ser «messy, clumsy, awkward, charming, casual, and yes, silly».

É isto que eu reconheço na minha experiência do mundo. E, por razões evidentes, é isto que eu peço: uma exigência moral que tenha em conta a complexidade humana e não defenda apenas o puro primado proibitivo.

(para o Tiago, por razões evidentes) [P.M.]

Promessas

Um destes dias, nós, raparigas, vamos falar destas coisas com tanta descontracção quanta a dos rapazes. [P.M.]

4/24/2005

Senhores do seu nariz

Eu sou um conservador. Leia-se, em Portugal reaccionário, snobe, armado ao pingarelho, fascista simpático; inimigo do progresso e do Bem; menino da Linha; insuportável; profundamente estúpido. (...)

Os conservadores podem ser inteligentes; podem ser boas pessoas; podem gostar e saber ganhar com diálogos com pessoas de esquerda. Porque há-de ser a palavra uma espécie de insulto, se seria dificílimo distinguir alguns grandes pensadores (Hume, Burke, Oakeshott, Quinton) de feição conservadora do mais puro liberalismo?

Aquilo que os conservadores procuram preservar não é o passado - é o presente. Há, por exemplo, grandes afinidades com os situacionistas do Maio de 68. Querem, sobretudo, preservar a liberdade de cada um. Quando ela não existe, lutam tanto como a esquerdalhada.

Os conservadores amam a tranquilidade - regras estabelecidas e conhecidas por todos; padrões colectivamente aceites; tradições comprovadíssimas que não só não custam como apetecem - mas odeiam «ordens».

São individualistas ferozes - mas colectivos na aplicação dessa exigência. Cada um é senhor e cada uma é senhora do seu nariz. Ou, conservadoramente falando, do nariz dele e do dela. Mandar é coisa feia. É atroz. Já basta o que manda em nós, por virtude ou desgraça de sermos humanos e termos de viver em sociedade.

Ninguém é mais antifascista (ou anticomunista) do que um conservador. «Homem novo?», «Cidadão-modelo?» Estão a brincar ou quê? O pensamento conservador - que é mais uma prática ou, nas palavras definitivas de Oakeshott, uma «disposição» ou um feitio, para obtermos uma tradução mais jeitosa - é radicalmente antitotalitário. Cada um é como é - e que não me chateiem.

É também estritamente democrático porque, se todos têm um lugar neste mundo, ninguém tem o direito de querer mudá-lo. É-se pintor abstracto? É-se horrendo? Paciência. É-se carpinteiro? Sublime? Paciência à mesma. (...)

Os conservadores defendem aquilo que já temos; contra tudo aquilo que «deveríamos» ter. São, neste intransigente espírito de manutenção do bem presente como o «menor dos males», a guarda mais avançada que temos.

Tal como os conservadores reconhecem a importância dos outros; era já altura dos tais outros reconhecerem a importância deles. Pode haver mudanças maravilhosas e ideias de rebentar com as cabeças mas, enquanto não se experimentam e comprovam, não será revolucionário haver quem se agarre ao que já está mais do que provado que funciona?

Haja um pouco de respeito pelos conservadores - até porque não há quem tenha mais respeito por todos aqueles que não têm (mas não faz mal) o mínimo respeito por nós.


(um MEC como nos bons velhos tempos) [P.M.]

4/21/2005

Gone fishing



Até dia 1, vou andar o mais possível por aqui. Até lá, regime mínimo de posts. [P.M.]

Tudo sobre Sónia Fertuzinhos

A pergunta de Shakespeare: o que há num nome? O que há no nome da deputada socialista Sónia Fertuzinhos? Primeiro, o que há no nome de Sónia? Os meus amigos aristocratas viram a cara, não gostam do nome de Sónia, não acham graça a nomes rústicos e suburbanos. Digo-lhes sempre que se enganam. Tenho a certeza de que as sónias salvarão este mundo. As sónias fazem mais pela natalidade do que as inezes e as margaridas. De Telheiras a Loures, de Gaia a Matosinhos, o mundo progride mais do que em Lisboa ou no Porto. Fertuzinhos. O que há no nome Fertuzinhos? Podem perguntar também o que há no nome de Lomba e eu sei o que há no nome de Lomba, sei mas não vou dizer. Em Fertuzinhos não sei o que há. Devia ser possível fazer a História onomástica do nosso Parlamento. Sem superioridades nem baixezas. O nome pelo nome. Na Assembleia Constituinte sentaram-se, por exemplo, Georgette Ferreira e o meu preferido de sempre Kálidas Barreto. Nomes que entretanto desapareceram. Nomes que tinham força e originalidade. Magnífico Kálidas. Agora só nos resta a nossa Sónia. E continuo sem saber o que há em Fertuzinhos. [P.L.]

4/20/2005

Alto e baixo

Platão aponta para cima. Aristóteles aponta para baixo.



Têm ambos razão. [P.M.]

Fora do mundo

Fora do mundo não é o mesmo que fora com o mundo. [P.M.]

O dia seguinte

Sem prejuízo do aspecto privado que enunciei no último post, aqui ficam algumas notas escritas um dia depois.

1. Estou essencialmente triste com a escolha do Conclave.

2. Mais do que a pessoa de Ratzinger, o que me inquieta é que a sua eleição representa um sinal.

3. Esse sinal não remete apenas para o que se chama, mal ou bem, «conservadorismo»: aponta para uma recusa de diálogo com o mundo.

4. Creio que o catolicismo pode não seguir simplesmente o mundo nem deve construir uma barricada contra o mundo, mas tem de tentar compreender e construir pontes.

5. Nada no passado recente do cardeal Ratzinger prenuncia uma abertura para construir essas pontes.

6. Para quem, como eu, está (ainda) dentro da Igreja, mas muito descontente com certos aspectos (moral sexual, crítica do liberalismo, pacifismo, centralismo) esta eleição é um retrocesso.

7. Não sou, de modo nenhum, um católico progressista, mas sou um liberal, e creio que todas as razões de queixa dos liberais se vão acentuar com este pontificado.

8. Respeito a escolha do Conclave, e espero que as coisas corram pelo melhor, com algumas surpresas positivas (mas não tenho grande esperança).

9. Creio que quem está dentro da Igreja não deve usar uma linguagem própria de quem está fora.

10. Prefiro esperar e observar os sinais em vez de optar pela adjectivação popular entre os inimigos da Igreja.

11. Em última análise, na Igreja como em tudo, quem está mal (incluindo eu) pode sempre sair, quando e se entender que não há compatibilidade possível entre as suas convicções e as posições oficiais.

12. Mas é importante lembrar que a Igreja existiu dois mil anos antes de Bento XVI e continua depois de Bento XVI.

13. A Igreja e a religião são uma coisa e a fé é outra coisa.

14. Sou o que se chama um «católico em crise», mas permaneço católico e sobretudo permaneço inabalavelmente cristão. [P.M.]

ADENDA: Embora não subscreva todos os argumentos nem me reconheça nalguma linguagem, recomendo os textos de Andrew Sullivan sobre a eleição papal.

ADENDA 2: O PPM contesta a minha opinião sobre Ratzinger. A minha opinião é naturalmente contestável, porque é uma opinião. Mais: é a minha vivência pessoal como católico. Sobre o que se vai passar no pontificado Bento XVI, estaremos cá para ver e discutir. Não há nenhum assunto em que eu deseje tanto estar enganado.

Mas gostava de sublinhar que aquilo que terceiros fazem com este ou outro texto pouco me importa. Não deixarei de escrever uma linha por causa de elogios, críticas, manhas ou insultos. Diz o Paulo: Sei que te limitas a afirmar aquilo em que acreditas sem ligar às interpretações alheias. Precisamente. Isso vale para Ratzinger e para tudo (e tu sabes que eu sei que tu sabes que eu sei). O que escrevo resulta apenas de convicções. Mas as minhas convicções comportam um elemento grande de perplexidade e dúvida, sob pena de não serem convicções mas apenas uma cassete.

Acrescento que me é indiferente isso de dar argumentos ao «inimigo». A Guerra Fria acabou. O que importa é a convicção pessoal em cada matéria. Um exemplo: vou estar rodeado de inimigos na campanha pelo NÃO europeu. E não me vou tornar adepto do SIM por causa disso. Já sabes que comigo só conta o individual. Não sou homem para colectivos.

4/19/2005

Comentário conciso

Com a eleição do Cardeal Ratzinger (Bento XVI), com o que esta eleição significa, vou entrar em conclave. E este, como o outro, será em privado.[P.M.]

Breaking news

HABEMUS PAPAM (cross your fingers, everyone)

Guiness Stout

Francisco José Viegas lança o romance Longe de Manaus hoje às 18.30, no pub irlandês Hennessy's (Cais do Sodré). Apareçam. [P.M.]

Still catholic after all these years (3)

Se o Papa fosse eleito pelo Fórum TSF lá teríamos o pároco da Lixa no Vaticano. [P.M.]

Still catholic after all these years (2)

O que me inquieta nos que estão contra o mundo moderno é que me parece estarem simplesmente contra o mundo. [P.M.]

Still catholic after all these years

Desassossegado, a espreitar o fumo on-line, sabendo que esta eleição, importantíssima para o mundo católico, é decisiva para mim. [P.M.]

Estou de olho



(o senhor Friedrich Christian Anton Lang) [P.M.]

O outro também não fazia samples

Gosto de filmes com hotéis, romances com hotéis, canções com hotéis. Por isso comprei sem pensar duas vezes Hotel de Moby (não tenho nenhum outro CD de Moby). Decepção. Este álbum é, como escreveu um crítico, «all valley and no peaks». O rapaz parece esperto, atmosférico, competente, mas quando tenta ser intenso é um espalhanço. Essencialmente porque Moby não sabe escrever. E quem não tem jeito com as palavras nunca escreverá uma canção de amor decente.

Claro que o senhor Melville pode sempre dizer, sem que ninguém o desminta, que no passado os Melville contribuíram muito generosamente para a arte da escrita. E que agora é mais dançar e tal. [P.M.]

Adenda: Procurando na trivia, descubro que Moby foi namorado de Natalie Portman em 2000, quando Natalie tinha 19 anos. Considerem este post sem efeito.

4/18/2005

Adolescentes 1

O Tulius não entende a popularidade das adolescentes no imaginário sexual de certos homens.

Mas a ninfofilia («atracção sexual de um adulto por uma adolescente») é uma parafilia muitíssimo comum. E, convém dizer, relativamente inócua.

Um leitor deste blogue explicou porquê numa carta oportuna: existe um abismo entre a atracção e a imaginação sexual e qualquer comportamento «impróprio». Distinção decisiva em época de histeria: O tema está envolto numa névoa de hipocrisia, e ninguém diz duas frases sobre ele a não ser em tom sempre muito circunspecto e auto-vigilante. Ora, o problema é delicado mas não é insolúvel: a Natalie Portman era muito atraente com 14 anos. Se algum adulto tivesse tido relações sexuais com ela na época, isso seria evidentemente crime. Mas não desmente o facto de que a Natalie Portman era uma miúda incrivelmente atraente com 14 anos.

Quem menoriza sexualmente a adolescente perante os conhecimentos eróticos mais avançados de uma «mulher feita» (como faz o Tulius) esquece um facto essencial. Para um adulto, uma adolescente não é geralmente uma parceira sexual mas apenas uma fantasia sexual. E uma fantasia algo inacessível (excepto para guitarristas dos Aerosmith). O Tulius chama a isso, com exactidão, um «culto sublimado».

Boa parte da nossa sexualidade é, felizmente, sublimada. Nem tudo é coito.



O Tulius sugere ainda que esse «culto da adolescente» tem alguma coisa a ver com a virgindade. Duvido, mesmo pelas razões que aponta (a virgindade parece em extinção, excepto no Utah). Mas claro que as adolescentes remetem inevitavelmente para um conceito de «pureza» (mesmo que uma pureza maliciosa).

Sendo a «pureza» uma noção algo «artística» e algo «reaccionária», não admira que as adolescentes tenham sido celebradas por alguns artistas «reaccionários», como Kawabata ou Balthus (nem por acaso, dois dos meus favoritos).

Claro que um tipo que gosta obsessivamente de adolescentes tem pancada. Mas digo isso como um elogio. [P.M.]

Adenda: Leiam a pertinente réplica do Tulius (a quem chamei «Ivan» na primeira versão deste post, por confusão heteronímica). E ou me engano muito ou em breve teremos o Bruno nesta discussão.

Fumo branco

O romance Longe de Manaus, do único extramundano que não se chama Pedro, será lançado amanhã, 19 de Abril, no bar irlandês Hennessy's (Cais do Sodré). A editora é a Asa e a apresentação estará a cargo de Rui Lagartinho. Amanhã, terça, 18.30. Apareçam. [P.M.]

High and low




CD-single, contém «Last Night I Dreamt that Somebody Loved Me» (The Smiths), versão Low, com violoncelo e vozes graves mas deliquescentes. Arrepiante. (obrigado ALC) [P.M.]

Elogios 2

Estava farto de críticas imerecidas. Então, fizeram-lhe um elogio imerecido. Ficou tão vexado. [P.M.]

Elogios 1

Nos anos 50, a Gallimard publicou uma edição de luxo de Hergé. Decidiram pedir um prefácio ao escritor Roger Nimier. Este enviou um texto entusiástico, que entre outras coisas comparava o desenhador belga com Balzac. Hergé teve medo de cair no ridículo e recusou o prefácio. [P.M.]

4/17/2005

Imposturas intelectuais 2

Segundo um estudo publicado em Inglaterra (fonte: Pública), «observar durante dez minutos todos os dias seios femininos (...) equivale para os homens à frequência de meia hora de ginásio».

Ora se isso fosse vaguissimamente verdade, eu era assim:



E, como talvez saibam, não sou. [P.M.]

Imposturas intelectuais 1

Nas obras generalistas gosto sempre de ler referências a Portugal. Não por fervor patriótico mas para perceber quão fiável é o volume. Recentemente, num dicionário inglês sobre História Contemporânea, espreitei a entrada «Portugal» e aprendi que fomos sucessivamente governados por António de Oliveira Salazar, Marcello Caetano, um tal Otelo de Carvalho, Mário Soares, Cavaco Silva e esse notável «António de Oliveira Guterres». Palavras para quê, é um dicionário de referência. [P.M.]

4/15/2005

Passou na tv

Sem querer concorrer com a listagem mais historiográfica que está a ser elaborada por Pacheco Pereira e pelos leitores do Abrupto, aqui deixo uns tantos momentos televisivos marcantes, alguns sérios mas outros (a maioria) cómicos. Como nasci em 1972, todos os episódios são posteriores a 1980. A ordem é arbitrária.

1. «E o número suplementar é o...zero. O zero??», Carlos Ribeiro, quando saiu o zero no totoloto.

2. «Agora vou para casa que as minhas vacas estão com água pela barriga», Hermínio Martinho, na noite eleitoral em que o PRD meteu água.

3. Carlos Cruz, entrevistador: «O que pensa da homossexualidade?»
Álvaro Cunhal, entrevistado: «Acho que é uma coisa muito triste».

4. Teresa Guilherme: «Qual foi o sítio mais estranho onde fez amor?»
Concorrente, entre risinhos: «Não digo, não posso dizer».
Teresa Guilherme: «Diga lá. Qual foi o sítio mais estranho onde fez amor?»
Concorrente, entre risinhos: «Não digo, não posso dizer».
Teresa Guilherme «Diga lá».
Concorrente, afogueada: «No cu».

5. Jornalista para a mãe que perdeu os filhos na ponte de Entre-os-Rios:
«Como é que se sente?»

6. Luís Pereira de Sousa comentando o carnaval do Rio e referindo a «genitália desnuda» de uma mulata.

7. Cavaco Silva a comer bolo-rei para evitar responder sobre o «tabu» + Cavaco Silva com saliva espessa ao canto da boca numa entrevista.

8. O colérico «sôr guarda, desapareça» de Mário Soares.

9. Herman José a escavacar o cenário no último episódio da «Roda da Sorte».

10. Carlos Mota, assistente de Carlos Cruz: «Se ele é pedófilo eu também sou».


(in progress)

[P.M.]

Com estonteante prontidão, vários leitores e bloguistas mandaram, como tínhamos solicitado, indicações básicas sobre a diminuição do tamanho das imagens, alta tarefa que a nossa incultura cibernética não tinha alcançado. Um agradecimento a todos.

4/14/2005

Handle with care

A diferença entre a moral e a beleza




é que nós sabemos que a beleza existe mesmo. [P.M.]

America America

Não é bem um blogue, é um texto in progress do Paulo José Miranda. A América sem servilismos nem antagonismos: America Is. [P.M.]

Filial

A mesma palavra para nos referirmos ao amor pelo nosso pai e ao Banco Comercial Português. [P.M.]

The Smiths



MR. SMITH: I would go out tonight

MR. SMITH: But I haven't got a stitch to wear


(crf. «This Charming Man», 1984) [P.M.]

Experiência

«Aprender com a experiência» simplesmente não funciona. É preciso que a experiência aprenda connosco. [P.M.]

4/12/2005

Uma luz que não se apaga

Depois da Academia, os escritores.

Jonathan Coe, Author

I once said that Morrissey and Marr were better songwriters than Lennon and McCartney. It's one of those things you say in a fit of enthusiasm but actually, I stand by it. People say that Morrissey's lyrics are miserable but what you really have is a deep melancholy shored up with wonderful wit, irony and bloody-mindedness. And the musical backing was always so inventive and complex. I loved those songs in the Eighties and have never stopped listening to them since. It seems entirely right to me that there should be a symposium - although academia needs The Smiths far more than The Smiths need academia.

Simon Armitage, Poet

The Smiths mean the Eighties to me. They describe perfectly that atmosphere of being at university - of living in bedsit land. I'm completely impregnated with their songs and lyrics. If I were to present a paper to the symposium at Manchester Metropolitan University, it would be on the song "Reel Around the Fountain". It describes itself as a reel - a jaunty song - but it is actually a dirge. This is what The Smiths are so good at. They deal in self-pity but they make you feel great as well. You can feel sorry for yourself and feel world-famous at the same time. They made the North the greatest place in the world to come from and also made it acceptable to take your shirt off at a disco. And it's not just a nostalgia thing. They still feel like a fresh and vital band to me. They are one of the few bands that remind you that pop music can be an amazing thing.

Will Self, Novelist

Does the mind rule the body or the body rule the mind? I don't know," is what Stephen Patrick Morrissey sang, thus encapsulating over 3,000 years of the Western philosophic tradition in a neat couplet. The Smiths brought to its zenith that tendency in English popular music which was more closely allied to the performative aspects of music hall than the beat-based hit factories of the US scene. Poseur, intellectual, English dilettante, Morrissey went on to have a distinguished solo career, but The Smiths were so very good because they counter-balanced his more pretentious flights of fancy with an almost pure expression of the four-piece rock band.


(algumas respostas a um questionário do jornal The Independent [P.M.]

HELENA MATOS é a convidada do próximo É A CULTURA, ESTÚPIDO!, que vai ter lugar no próximo dia 13 de Abril (quarta -feira), às 18.30h, no Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz. HELENA MATOS é a Directora da Revista Atlântico, a propósito da qual falaremos de revistas de ideias e pensamento político em Portugal, numa conversa com a jornalista Anabela Mota Ribeiro. Ricardo de Araújo Pereira apresenta e, como sempre, faz o stand-up final. Poderá também ouvir as escolhas dos críticos e jornalistas residentes: José Mário Silva, Pedro Mexia, João Miguel Tavares, Nuno Costa Santos, Daniel Oliveira e Pedro Lomba. Os encontros É A CULTURA, ESTÚPIDO!, organizados pelas Produções Fictícias, continuarão a realizar-se até Junho de 2005, uma vez por mês, sempre à quarta-feira, pelas 18.30h, no Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz.

A língua portuguesa 2

Quando ouvi pela primeira vez o provérbio «enquanto o pau vai e vem folgam as costas» pensei que o povo português era sexualmente muito progressista. [P.M.]

A língua portuguesa

É possível que a muito caseira expressão «sem tirar nem pôr» tenha origem obscena. [P.M.]

4/11/2005

Outro papado paradoxal

Combateu obstinadamente a prostituição e a pornografia. Admitia a pena de morte em último caso. E vivia em abstinência sexual. Não, não era o cardeal Ratzinger, mas a autora feminista Andrea Dworkin, o mais paradoxal ícone do feminismo. [P.M.]

The Economist

Como é que me defino politicamente? Definam politicamente a revista The Economist. Já está. [P.M.]

Biodiversidade

O Acidental, Barnabé, Blasfémias, Blogue de Esquerda, Causa Nossa,O Insurgente, A Mão Invisível, Mar Salgado, O Sinédrio. (Fonte: pasta «Favoritos», subpasta «Política») [P.M.]

This Mortal Coil



What dreams may come,
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause.


(Shakespeare, Hamlet, Acto III, Cena 1)

(coil: tormento, tumulto) [P.M.]

Letras 6

Day comes up sicker than a cat
Something's wrong that is that

Mr. Somewhere missing somewhere never did figure just how much

A boat from the river takes you out
'cross the other side of town, to get out, to get out
You take the tide, any tide, any tide
like there isn't gonna be any tide

Mr. Somewhere missing somewhere never did figure just how much
Missing somewhere never did figure just how much

A world like tomorrow wears things out
It's hard enough to get what's yours for now
And the hardest words are spoken softly
Softly look, no hands upon

Mr. Somewhere missing somewhere never did figure just how much
Missing somewhere never did figure just how much

Now the milkman beats you to the door
That was once a home, home no more
Mr. Somewhere, missing somewhere couldn't get the calendar to stop
Missing somewhere, never did figure just how much
Missing somewhere, never will admit just how much


This Mortal Coil, Blood (1991), «Mr. Somewhere», cover de uma canção da banda australiana The Apartments, do álbum The Evening Visits...And Stays for Years (1985).

Spoonman

Feel the rhythm with your hands
Steal the rhythm while you can, Spoonman


(Soundgarden)



(sem link, por causa da moralidade) [P.M.]

Monegascos

Existem trinta e sete mil blogues portugueses. Há mais blogues portugueses que pessoas a viver no Mónaco. Mas muita gente continua a dizer generalidades sobre «os blogues» como se estes milhares de bloguistas tivessem imensas afinidades. Quando apenas têm em comum serem portugueses, possuírem um computador e uma ligação à internet. E, nos melhores casos, saberem ler e escrever. [P.M.]

Technorati

«Conheces o meu primo Alberto?»

«Vagamente. Já nos cruzámos no Technorati».
[P.M.]

A única frase que me faz recorrer à violência

xyzxyzyxzxyzx, porque tu, que és jurista, xyzxyzyzzy [P.M.]

Assim até parece bom

PARAFRASE

Dit gedicht vergelijkt jou eerst
met de sterrenbeelden,
met hun magische namen
en duidelijke tekens,
en dan
Toont een woordenspel
dat zonder jou de astronomie
een ongelukkige
wetenschap is.
In het volgende voeren twee metaforen
jet thema van het licht aan
en de petrarkische
tegenstellingen die in de
heliefde vrouw bestaan,
in het treurige toevluchtsoord van de fantasie.

De tweede strofe maakt duidelijk
dat het veelvoud van het levend wezen
het bestaan
van God bewijst
en dat van jou, daar het tegelijkertijd
een voor een de attributen aanneemt
die aan jouw natuur deelnemen
en aan de scheppingsruimte
Van jouw stilte.

Een hyperbool zegt tenslotte
dat ik jou zeer mis.

[P.M.]

4/10/2005

Saltar uma geração






Claro que Carlos deve «saltar uma geração». Mas o príncipe Alberto devia fazer o mesmo. [P.M.]

Feira da Golegã

Melhor frase sobre o casamento de Carlos e Camilla:

Quando um homem casa com a amante, deixa um lugar vago. [P.M.]

Self-deprecation vintage

Alguns homens, quando estão com uma mulher, pensam noutra mulher. Eu, quando estou com uma mulher, penso que sou outro homem.

(uma das minhas piadas favoritas, não sei bem de que filme, se alguém souber escreva). [P.M.]

Palavra de honra

O superlativo de «nua» não é uma palavra. [P.M.]

Arinze e Soares

Por causa da hipótese nigeriana no Conclave vaticano, lembrei-me de uma magnífica passagem (involuntária) no Portugal Amordaçado de Mário Soares, quando, a propósito das colónias, refere

«a clara oposição do clero negro».

Posso garantir que depois deste achado MS não voltou a escrever uma frase digna de ser citada por pessoas que estimem a língua portuguesa.

Posso assegurar também que se Arinze for eleito, alguns católicos que eu conheço vão ter uma apoplexia. (Frase a reter: «Cristo não era preto»). [P.M.]

Marcelo Salazar

O homem mais corajoso que eu conheço é este: o músico brasileiro Marcelo Salazar, que aceitou tocar na Festa do Avante. [P.M.]

Bellow, elitista

Uma coisa que me deixou perplexo foi o modo como alguma imprensa se referiu a Saul Bellow como sendo «de esquerda» ou «liberal».

É verdade que Bellow foi um esquerdista (trotskista) e um colaborador activo da Partisan Review. Mas isso foi há cinquenta anos. Quem acompanhou o percurso mais recente de Bellow sabe que o escritor travou imensos combates (recentes) com a crítica de esquerda. Com Chomsky e outros por causa de Israel (na sequência de To Jerusalem and Back). Com as feministas por causa do «falocentrismo agressivo» presente nos seus romances. Com a comunidade académica por causa do prefácio a The Closing of the American Mind, de Allan Bloom, bíblia cultural dos neo-conservadores. Parecem-me indícios bastantes.

É provável que Bellow fosse «de esquerda» no sentido em que detestava os Republicanos e votava Democrata. Mas o seu combate contra os inimigos de Israel, contra as feministas assanhadas e contra o politicamente correcto fazem dele tudo menos um «homem de esquerda».

A mim tanto se me dá como se me deu que Bellow (ou qualquer pessoa) fosse de esquerda ou de direita. Jamais deixarei de ler (e admirar) qualquer autor por causa das suas opiniões políticas. Mas convém não ser desleixado com os factos. E o facto é que Bellow era um elitista. E, em 2005, contam-se pelos dedos as pessoas de esquerda que não evitam a todo o custo esse conceito. [P.M.]

4/08/2005

Belmiro

Começou hoje o congresso sobre The Smiths. Podem ler uma notícia sobre o evento no Público. Mas para isso,claro, têm de o ir comprar ao quiosque. Pois é. Agradeçam ao Belmiro. [P.M.]

4/07/2005

Selvagens e sentimentais

Qual a semelhança entre e.e. cummings e Kevin Shields? Ambos fizeram ruído sobre sentimentos. O poeta de Tulips and Chimneys era um individualista sentimental que disfarçava recorrendo a bizarrias gráficas e ortográficas. E o música dos My Blooy Valentine é um apaixonado por canções languidamente melódicas sempre quebradas por estática e feedback. Eles bem disfarçam, mas não enganam ninguém. [P.M.]

4/06/2005

Alteza Sereníssima



Príncipe Rainier do Mónaco (na foto, com Grace Kelly), 1923-2005 [P.M.]

Pró-americano

Bellow era o maior ficcionista americano desde a morte de Faulkner. Mas não tenho a certeza que fosse «o último grande», como escreve o Pedro no post abaixo. Era provavelmente o último grande no sentido «europeu» do termo. Era o último modernista.

Mas uma literatura que tem ficcionistas como Philip Roth ou Don DeLillo (ou mesmo os invisíveis Pynchon e Salinger) é uma literatura que não precisa de se envergonhar perante nenhuma outra. É também por isso que eu sou pró-americano. [P.M.]

A Broadway. Bellow em "Seize the day".

«And the great, great crowd, the inexhaustible current of millions of every race and kind pouring out, pressing round, of every age, of every genius, possessors of every human secret, antique and future, in every face the refinement of one particular motive or essence - I labor, I spend, I strive, I design, I love, I cling, I uphold, I give away, I envy, I long, I scord, I die, I hide, I want.» [P.L.]

Bellow em "Herzog"

«to be a man. In a city. In a century. In transition. In a mass. Transformed by science. Under organized power. Subject to tremendous controls. In a condition caused by mechanization. After the late failure of radical hopes.» [P.L.]

O último escritor maior



Bandeiras a meia-haste. Gravata preta. Morreu o último grande, grande escritor americano do século vinte. Ou talvez deva dizer o último grande, grande escritor europeu, não sei bem. Saul Bellow era um dos escritores de família para o Fora do Mundo. [P.L.]

4/05/2005

Agenda 2

De entre uma vintena de aniversários blogosféricos, gostava de destacar (sem menosprezo pelos outros) dois estabelecimentos dos quais sou freguês since 2003: a menina que é uma Bomba Inteligente e o cavalheiro que está Contra a Corrente. Um grande entrochoque de receptáculos esguios de cristal contendo líquido obtido por método champanhês para ambos. [P.M.]

Agenda

Ontem fizeram anos Eric Rohmer (85) e Pedro Lomba (28). Amanhã fazem anos Frank Black (40) e Ivan Nunes (32). Rohmer é o meu cineasta (vivo) favorito. Black foi a única estrela rock que me deu esperanças de eu também vir a ser uma estrela rock. Os outros dois não conheço pessoalmente.




(à esquerda, Pedro Lomba; à direita, Ivan Nunes) [P.M.]

Debaixo da cama

Quando comecei a prestar atenção aos textos das canções, fiquei plenamente convencido de que certos letristas moravam debaixo da minha cama. Era impossível saberem aquilo sobre mim de outro modo. [P.M.]

A gueixa do clique

Foi no casamento da minha melhor amiga.

A fotógrafa do casamento era deslumbrante. Moreníssima. Sensualíssima. E com umas maminhas de pedir asilo político à Mauritânia. A homenzarrada estava maluca. O próprio noivo sorria sem dificuldade para as cansativas fotos. Os rapazes perguntavam à noiva quem era a gueixa do clique. Queriam nome, estado civil, código postal. Mas, ao que parece, a fotógrafa, a deslumbrante fotógrafa, era lésbica. «Fuférrima», garantiu uma amiga da noiva com malvadez gozona.

Os homens ficaram impacientes, incrédulos e um pouco desvairados de imaginação. Ninguém tentou o que todos queriam: meter conversa. A rapariga gostava de raparigas. Ficámos todos numa frustração mansa. A boníssima rapariga nem queria saber. Gostava, a inconcebível, de raparigas. E nós cheios de raivinha, incompreensão, desespero.

Mas é claro que isso podia ser uma ficção. Para afugentar estupores como nós. [P.M.]

Letras 5

Take a walk in the park, take a valium pill
Read the letter you got from the memory girl
But it takes more than this to make sense of the day
Yeah it takes more than milk to get rid of the taste
And you trusted to this, and you trusted to that
And when you saw it all come, it was waving the flag
Of the United States of Calamity, hey!
After all that you've done boy, Im sure you're going to pay


Belle & Sebastian, The Boy with the Arab Strap (1997), «Sleep the Clock Around» [P.M.]

4/04/2005

Jet lag



Não sou admirador de The Life Aquatic with Steve Zissou. Mas sou um incondicional de Lost in Translation e de filmes anteriores com Bill Murray como Groundhog Day.

Por isso, quando o Luís Miguel Oliveira chamou a Murray (num belo texto publicado no Y) «o maior actor de cinema contemporâneo», só contestei mentalmente durante uns cinco segundos.

É, pelo menos, o maior actor vivo no registo a que o Luís chama (citando Les Inrockuptibles) «jet lag existencial». Ou, na formulação de um crítico americano, «a vague, wistful tristesse». [P.M.]

O José Jorge Letria da blogosfera

Com o Bloscar deste ano (que agradeço ao organizador e aos votantes), são agora três os meus prémios blogosféricos em cima da lareira (sou repetente na Origem do Amor e tive um do Causa Nossa). Os lautos proventos monetários, esses, estão guardados num prestigiado banco em Kiribati, a salvo de políticas fiscais nórdicas. Assinalo que este terceiro prémio tem alguma coisa de estranho: foi um «prémio de carreira». Carreira ao fim de dois anos e meio é original. Deve ser isto que sente um líder da JSD. [P.M.]

ADENDA: Quero sobretudo agradecer ao Miguel Tomar Nogueira a canção que acompanha o prémio.

No more links

Agora é a pagar. [P.M.]

Um novo continente

Payne is one of a number of American filmmakers ploughing a similar furrow; they include David O Russell, Wes Anderson, Sofia Coppola, Paul Thomas Anderson and Spike Jonze. They range in age from 33 to 45 (Payne is 43), and often make character-driven movies about Americans past the first flush of youth who have somehow lost their way. These smart, upscale, highly-educated directors (born to affluence in the case of Coppola and Jonze) have the self-confidence to make exactly the films they want, broadly aimed at people like themselves. They do not rush to do the major studios' bidding, and affect disdain for their cartoonishly simplistic output. (...) This group has been inaccurately dubbed The New Ironists, but their films trade in drollness rather than irony. Their lost heroes, unsure of their role in life, view the modern world with a deadpan incomprehension that can be funny or sad. (...) The quirkiness of the Class of '99's films ensures a following from students and filmgoers in their twenties. But the shrewd deployment of older actors – Murray, Nicholson, and Gene Hackman in Wes Anderson's The Royal Tenenbaums – helps them strike a chord with older audiences, too. (...) The Class of '99 have redefined what we understand by American independent movies – even if, literally speaking, they're financed by studios. Certainly they're more complex, varied and sophisticated than many of the films first unearthed at Sundance.

(de um texto de David Gritten no Daily Telegraph)

É agora claro que existe um novo continente no cinema americano. Destes seis realizadores, os meus favoritos são (por esta ordem) Paul Thomas Anderson, Sofia Coppola e Alexander Payne. Russell conheço mal. Anderson e Jonze são extremamente originais, mas a originalidade (para o meu gosto) não chega. The Life Aquatic with Steve Zissou é pouco mais que isso: original.

Gostos são gostos. Mas creio que estes seis mostram como o cinema americano continua o melhor cinema do mundo. Pelo menos do mundo ocidental. Apenas na China (continental e Taiwan) encontraremos em 2005 um grupo de jovens cineastas tão interessantes e prometedores.

(mas leitores mais informados sobre a cinematografia estónia ou dinamarquesa poderão contestar esta opinião para o mail aqui em cima) [P.M.]

Favoritos

Quando me iniciei na blogosfera não conhecia pessoalmente ninguém que tivesse um blogue. Agora, dois anos e meio depois, conheço quase uma centena de bloguistas. E todos os meus amigos próximos têm blogues. [P.M.]

4/03/2005

As chaves

Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam et tibi dabo claves regni caelorum (Mt 16, 18-19)



E isso, para um católico, é o que mais importa. [P.M.]

Karol Wojtila 1920-2005

Foi um líder espiritual notável. Uma figura politicamente determinante. Mas também, nalgumas matérias, um homem excessivamente resistente ao mundo moderno. Apagar ou minimizar qualquer destes aspectos seria um exercício de desonestidade e hipocrisia face à minha vivência como católico nestes vinte e seis anos. Por isso, republico sem alterações um texto que apareceu no semanário O Independente aquando dos vinte e cinco anos do pontificado de João Paulo II.

UM PAPA PARADOXAL

1. Nas habituais arrumações simplistas do universo católico em «conservadores» e «progressistas», esquece-se que Karol Wojtila tem sido sempre uma figura complexa e paradoxal. Desde o início do seu pontificado – fez esta semana vinte e cinco anos – o Papa tem desempenhado um papel determinante nos eventos contemporâneos. Só um anticlericalismo míope ou um saudosismo vermelho pode ignorar que a eleição de um Papa polaco em plena Guerra Fria e as suas repetidas viagens e intervenções foram decisivas para a queda do comunismo no bloco de Leste. Mas isso não torna necessariamente este Papa um homem «de direita». Isso foi bem visível recentemente, quando a esquerda, que habitualmente o fustiga, veio elogiar a oposição frontal à guerra no Iraque, enquanto alguns dos mais ferverosos vaticanistas vinham a público declarar que «entendiam» a opinião papal, embora não estivessem de acordo. O Papa tomou outras posições que desagradam a boa parte dos sectores ditos «conservadores», como um reiterado discurso sobre os sistemas económicos que quase põe no mesmo patamar de indignidade os regimes socialistas e os regimes capitalistas. Para João Paulo II, o socialismo marxista era inimigo da liberdade, mas o capitalismo também traz desigualdades, injustiças e, sobretudo, inúmeras e perigosas tentações. No plano público, isto é, o que transcende a comunidade dos fiéis, o Papa tem sido guiado pela sua concepção de uma sociedade livre mas equilibrada, longe das ditaduras políticas mas também a salvo dos excessos da liberdade. Uma posição provavelmente insustentável, visto que a democracia é desequilibrada por natureza, mas com um grau notável de seriedade e coerência. E que não pode ser caricaturada em termos de «esquerda» e «direita». O historiador Timothy Garton Ash, num texto sobre os vinte anos da eleição do Papa, republicado no livro History of the Present, resumiu o legado do Sumo Pontífice de forma original, dizendo que para os agnósticos (como o próprio Ash) João Paulo II foi um Papa excelente, nomeadamente pela sua contribuição para o colapso comunista e para uma cultura da paz; já os católicos, ironizava o historiador, podem ter algumas razões de queixa.

2. E, na verdade, bem diferente é o panorama interno, isto é, as questões que dizem respeito apenas aos católicos. Nesse domínio, algumas teses defendidas pelo Papa são, no mínimo, questionáveis, e têm sido muito contestadas. Comecemos pela mais evidente, ou pelo menos a mais mediática: a moral sexual. No que concerne ao aborto a intransigência do Papa corresponde a uma defesa inquestionável da concepção de «vida humama» tal como o cristianismo a entende. Mas noutras matérias, em que estão em causa comportamentos consensuais entre adultos, os sinais do Vaticano têm sido desanimadores. A recusa peremptória da contracepção representa um retrocesso face à própria abertura que os cardeais do Concílio Vaticano II demonstraram há quarenta anos, abertura essa, é certo, cedo contrariada por Paulo VI. Mas se, do ponto de vista meramente de princípio, a condenação da pílula e do preservativo surge como discutível, mais discutível se torna quando aplicada a duas situações concretas. Assim, que sentido faz recusar a contracepção quando se condena também o aborto, uma vez que aquela seria uma maneira priveligiada de impedir este? E depois, face à sida, torna-se chocante que a Igreja funcione como obstáculo à prevenção da doença, sobretudo em continentes, como o africano, onde a pandemia alastra e a força da Igreja sobre os costumes é grande. O mesmo vale para a homossexualidade, matéria em que a Igreja parece alheada dos estudos que demonstram que se trata de uma orientação que não pode ser tratada como uma doença ou sublimada com um apelo irrealista à castidade perpétua. Finalmente, a associação estrita entre a sexualidade e o casamento é letra morta nos países ocidentais, e a Igreja, em vez de sublinhar o papel dos afectos numa sociedade de mercantilização do sexo, fica contente por manter intocável a mera proibição, enquanto os fiéis ignoram (sem sombra de culpabilidade) esse ensinamento sociologicamente desfasado.

3. Também na organização interna da Igreja, houve alguns sinais preocupantes. A «vaticanização» progressiva não traz nenhum benefício aos cristãos, nem o autoritarismo em matérias teológicas, nem a notória influência de sectores obtusamente integristas, nem o papel doutrinariamente rochoso da Congregação para a Doutrina da Fé (mesmo em assuntos secundaríssimos como o celibato). Elementos de democracia interna – organizativa, entenda-se, não doutrinária -, de colegialidade, de alguma autonomia das comunidades e de livre discussão teológica seriam certamente aconselháveis para a saúde da Igreja, e em muitos casos retomavam algumas das mais interessantes e dinâmicas tradições do cristianismo, e mesmo do catolicismo. É certo que não se pode cair na anarquia doutrinal, e que o Vaticano fez bem em condenar o abstruso «catolicismo marxista» ou as interpretações «metaforizantes» das verdades fundamentais da fé. Mas a Igreja tem de saber integrar-se em sociedades democráticas, e perder toda uma ganga absolutista e autoritária. João Paulo II, nestas matérias, tem sido o «guardião dos selos», mas denota claramente a mentalidade de quem foi marcado pelo nazismo e pelo comunismo, e receia em demasia a mentalidade democrática.

4. Estas reservas não fazem esquecer o notável legado deste Papa. Sobretudo numa evangelização incansável e que tem contribuido para tornar cada vez mais universal o catolicismo (contrariando o seu ocaso na Europa): nas viagens apostólicas do Papa, tantas vezes ridicularizadas pelos ignaros, que constituem o contributo mais original deste longo papado; no novo Código de Direito Canónico e no novo Catecismo (este manchado por uma lamentável cedência na matéria da pena de morte); numa série de encíclicas e outros documentos magistrais sobre quase todos os grandes temas, pese embora o estilo pouco convidativo; numa aproximação ecuménica às igrejas cristãs e num diálogo com outras religiões; numa vaga de beatificações e canonizações sem precedentes, que apresentam aos cristãos centenas de modelos de conduta, e todos enriquecedoramente diversos; e, finalmente, num exemplo notável de sacrifício físico e moral, mesmo se porventura excedendo os limites do razoável. Depois de resolvidos e apagados da memória muitos dos impasses e contradições acima descritos, João Paulo II ficará, com toda a certeza, como um dos Papas fundamentais da história do catolicismo.
[P.M.]

ADENDA: Um novo artigo de Garton Ash que diz essencialmente o mesmo que o texto a que faço alusão.

4/01/2005

Lema

Your low self-esteem is just good common sense

(em Spanglish, de James L. Brooks) [P.M.]

Adam Sandler

Dizem que Adam Sandler participou numas tantas «comédias acéfalas». Parece que tive sorte: nunca vi nenhuma comédia acéfala com Adam Sandler. Mais: tive mesmo a sorte de o descobrir no notável Punch-Drunk Love, nomeadamente nessa notabilíssima cena de amor em que ele e Emily Watson dizem frases amorosas surrealistas («gostava de te dar com um martelo nos olhos», etc).

Agora, em Spanglish, de James L. Brooks, Adam Sandler tem pelo menos três espantosas cenas de amor. Os filmes de Brooks são geralmente comédias leves mas inteligentes, bem escritas e bem interpretadas. E Spanglish é isso mesmo, uma comédia leve e inteligente sobre a assimilação e a integração. Como fábula identitária, o filme é competente mas não fica na memória.

No entanto, Sandler é de novo extremamente divertido e extremamente comovente, com o seu aspecto de tótó, meio perdido, de boca aberta, sem acabar as frases, murmurando ou gritando sem convicção (como Jerry Seinfeld). Acontece que tudo isso resulta de forma espantosa em três momentos 1) quando Sandler se apercebe de que há um clima de sedução com a empregada mexicana (Paz Vega) 2) quando a mulher (Téa Leoni) lhe conta que tem um caso com outro homem 3) quando, nessa mesma noite, concretiza o seu amor com Paz Vega.

Na primeira cena, Sandler é poético na sua incredulidade entrecortada, zombie, de quem acabou de ouvir «o som do planeta a estalar». Na segunda cena, o actor dá com grande subtileza essa transição entre o alheamento tristonho e a súbita perturbação erótica. Na terceira cena, é simplesmente poético, tão comovente como Buster Keaton é comovente (peço desculpa), gago de deslumbres, elogios, fascínios, hípérboles, surpresas.

Absolutamente fora do mundo. Completamente dentro do mundo. [P.M.]