POP: Se querem combater o stresse (agora escreve-se assim), optem pelo meu método favorito. Agora em versão net. [P.M.]
Fora do Mundo
Notas & Apontamentos. [Pedro Lomba, Pedro Mexia e Francisco José Viegas] foradomundo@oninet.pt
11/27/2004
DATAS: N. estava preocupada. Tinha discutido com o namorado. E deixara o caderninho íntimo em casa dele. Caderno no qual ela escrevia absolutamente tudo. Imaginei que, em vez de preocupação, N. devia sentir algum pânico. Ela explicou que o caso não era assim tão grave. «Eu nunca ponho datas nos textos», disse com um sorriso de alívio e com uma perversidade muito ligeira. [P.M.]
CAMBADA: Há uns rapazes na blogosfera que publicam fotos de mulheres. Os sacanas. Assim mesmo: fotos de mulheres. Juro. Mais: mulheres bonitas. Muito bonitas. Impossivelmente bonitas. Um escândalo. E publicam essas fotos apenas porque as mulheres são muito bonitas. Embora, naturalmente, poetizem a beleza, com um poema ou um verso de uma canção. Muito conveniente. No fundo, são uns materialistas indecisos e rabarbados, sempre com essa pueril propensão para um «inexprimível nada» (ena, Ungaretti) que os redima do pecado bruto de machismo. Ou de misoginia (características designadas no século passado, de forma naturalmente incorrecta, como «heterossexualidade»). Tenho pena dessa canalha. Desses frustrados metidos a estetas. Desse forcados de fantasmas. Malta como o Rui, o Bruno, o Carlos. Como eu. Cambada. [P.M.]
A BANDEIRA POR SMS: Leiam esta espantosa notícia: Jards Macalé, um cantor e compositor brasileiro, propôs alterar a expressão "Ordem e Progresso", presente na bandeira do Brasil, para "Amor, Ordem e Progresso". Macalé deu a ideia e Chico Alencar, deputado do PT-RJ, apresentou um projecto-lei na Câmara dos Deputados. A expressão que hoje se pode ler na bandeira brasileira foi aprovada por decreto em 1889 e baseia-se no lema do positivismo. Acontece que a divisa desta corrente filosófica criada por August Comte é "amor por princípio, ordem como base e progresso como fim". "Se é para ser positivista, que seja por inteiro", defendeu Macalé na semana passada, durante um debate em Brasília.
Não nos fiquemos pela divisa positivista. A bandeira deve explicitar as coisas que realmente nos interessam. «Liberdade». «Igualdade». «Fraternidade». Ou então: «playstation 2». «Heineken».«SLB». Quem sabe se «alto astral». Ou «prazer sexual intenso». Ou ainda frases célebres, como «Nunca tantos deveram tanto a tão poucos» (Churchill). «Penso, logo existo» (Descartes). «Clássico é clássico e vice-versa» (Jardel). Ou tiradas maiores, por exemplo de A Canção de Lisboa. Creio que seria adequado e verdadeiramente patriótico que a bandeira nacional ostentasse este lema imortal: O Doutor Vasconcelos jurou-me que ao soarem as cinco badaladas na torre de São Diniz, entraria nesta porta.
Mais: o lema da bandeira devia ser democrático e rotativo. A cada semestre ia mudando de acordo com a vontade do povo. E votávamos por sms. [P.M.]
11/25/2004
O FRIO. Explico o que é estar fora do mundo com alguma dificuldade. Não, não é desinteressar-se por política. É mais isto: haver frio quando se sonha com os trópicos, haver uma página diabólica num romance, uma piada escutada na rua, a rajada de vento, uma cerveja até tarde. As enumerações são sempre más e deviam ser proibidas sobretudo em romances, blogs colectivos e sonetos ao arrepio da rima. Mas é assim. Uma impressão digital qualquer vinda de outro lado, de fora do mundo. [F.J.V.]
LOST. O Carlos McGuffin publicou umas fotografias da Scarlett por altura do aniversário (seu, dela). Lost in Translation é um dos filmes mais fora do mundo que conheço. [F.J.V.]
ORGÂNICOS, 3. Acho que o Pedro tem razão quando se abstém, por vezes, de escrever sobre política. Os «orgânicos» gostam dos textos do Pedro quando os podem «enquadrar» (ai, o leninismo de direita...), mas não gostam das exigências nem das interrogações que eles lhes colocam, das perguntas que deixam, nem do riso que transportam. Suponho que os «orgânicos» gostavam de uma «frente» para opor à «outra frente». É uma pena. Em relação ao Pedro, especialmente, os «orgânicos» têm uma dívida moral porque na altura em que estavam escondidinhos, isentando-se de debate e de exigências gramaticais, o Pedro escrevia sobre o que lhe apetecia.E é assim. [F.J.V.]
ORGÂNICOS, 2. Continua a escrever-se sobre «a questão Pedro Mexia» e o seu artigo no DN. Ora, não faltava mais nada que se exigisse ao Pedro, ou a quem for, algum tipo de «lealdade orgânica» (os termos são adaptados do texto do José Bourbon Ribeiro no O Acidental) que se possa confundir com «defender a asneira até à inanição». O mal não é exclusivo da direita, longe disso -- e os principais exemplos até vêm da esquerda, com a histórica «lealdade orgânica» dos intelectuais ao comunismo e a outras «frentes de combate». Simplesmente, os orgânicos de que muitas vezes se rodeia nunca são grande exemplos. Era bom que, de vez em quando -- sem exageros, evidentemente, não convém dar muita trela a intelectuais -- olhasse sem «preocupações orgânicas» para os textos e os combates de gente como o Pedro Mexia. A menos que os sacerdotes só leiam os Actos dos Apóstolos, evidentemente. [F.J.V.]
Este post foi originalmente publicado no Aviz.
ORGÂNICOS. Pedro Mexia escreveu um texto no DN, na secção «Geração de 70». José Bourbon Ribeiro discorda e, portanto, chamou aos da Geração de 70 «velhos rabugentos sem identidade nem lealdade orgânica». Ora, ser um velho rabujento ou um tipo sem lealdade orgânica só me parece ser um elogio. [F.J.V.]
Este post foi originalmente publicado no Aviz.
SAIR DE CASA (2): E no entanto, há muito que lemos o que Pascal escreveu: que a infelicidade está em sairmos de casa (em sair de do nosso quarto, foi o que escreveu). Mas decidimos que isso não é uma opção. Então, não se queixem. [P.M.]
SAIR DE CASA: De repente, em cinco minutos, formamos uma convicção acerca do mundo. E basta um telefonema, um encontrão, uma rajada de vento, para que essa ideia de como o mundo é desabe por completo. Sendo que é impossível andar no mundo sem formar ideias sobre o mundo, como havemos de proceder nós, os que pretendem sair de casa de vez em quando? [P.M.]
DÔTOUR: Ontem o taxista chamou-me umas dezoito vezes «doutor». Se foi para isto que que aturei os atrozes cinco anos, que fraude. [P.M.]
ALGO COMPLETAMENTE DIFERENTE: O Fora do Mundo, embora tenha andado um bocado desamparado, é um blogue colectivo. Razão pela qual não devo publicar posts sobre temas que nada interessem aos meus colegas (sobretudo ao Francisco, que se está muito acertadamente nas tintinhas para «a direita»). Embora não se pretenda um blogue nefelibata, este é um blogue sem agenda. E combinámos escrever sobre política de modo apenas incidental e anedótico. A recente «polémica» (que estava no frigorífico há quase dois anos, e que finalmente se manifestou) não tem nada a ver com este blogue. Tem a ver comigo. O que não é a mesma coisa.
Pela minha parte, aprendi mais nesta última semana do que nos trezentos dias anteriores. No Fora do Mundo não haverá mais textos sobre política, e ainda menos parada e resposta. Peço desculpa pelos excessos de linguagem (vindos depois de um post contra os excessos de linguagem). E agradeço as críticas substantivas que me foram feitas pelos blogues de direita (e alguns elogios, excepto os que vinham com água no bico). Agradeço ainda o feedback de leitores e amigos, com as suas críticas, conselhos e sugestões, quase toda imensamente sensatas. Em breve, pois, sai um post sobre Tom Waits para a mesa sete. Obrigado.
Pedro Mexia
11/23/2004
DESVIO DE ESQUERDA: Quando tomei contacto com a literatura marxista, sobretudo a dos teóricos tardios e sectários, fiquei espantado com o espírito inquisitorial. A menor divergência era apontada como «desvio de direita» ou pior ainda.Uma coisa estranha. Mas depois comecei a achar divertido. A doença infantil do comunismo, afinal, era o próprio comunismo.
Agora, quinze anos depois, sou acusado veementemente de desvio de esquerda. A insinuação tem alguma graça, mas é sobretudo um preocupante sintoma. Refiro-me evidentemente a dois comentários sobre o meu texto no Diário de Notícias publicados pelo blogue O Acidental.
Passo por cima do raspanete do chefe de gabinete, porque os chefes de gabinete não são pagos para exibirem espírito crítico. Mas tenho grande estima pessoal pelo Paulo Pinto de Mascarenhas, o que me leva a fazer este esclarecimento.
Que PPM considere o meu texto mau, levezinho, errado, detestável, é natural. Está no seu direito. Sobre isso nada haveria a dizer. Porém, o Paulo não resiste, e faz uma comparação. Compara-me com um invertebrado que é, nem de propósito, a pessoa que mais abomino na vida política portuguesa. Eu seria o Freitas do Amaral da nova geração, segundo PPM, e ainda por cima mais veloz na «traição». Ora eu, que há uns meses me recusei a discutir com essa criatura catedrática na rádio, com medo de não me conter dentro da decência vocabular, não gosto obviamente da comparação. Mesmo porque nunca ninguém me ouviu dizer que sou «de centro». Nunca escrevi que Bush é «fascista». Nunca me referi à ONU como uma panaceia internacional. Nunca participei em frentes de esquerda na Aula Magna. Etc, etc. Mas eu percebo: foi uma maneira simples de me atacar, uma maneira reconhecível e estimada pelos leitores d’ O Acidental. O Paulo é demasiado bem-educado para me chamar «filho da puta». Chamou-me «Freitas do Amaral». E isso eu lamento.
Lamento que O Acidental, que tantas vezes se tem atirado ao Bloco de Esquerda por fazer da discordância política uma questão moral, use essa táctica, ainda por cima de forma manhosa. Táctica reiterada num miniprovérbio «ético». Lamento. Porque é de uma mera discordância que se trata. Como se pode verificar no texto do Francisco Mendes da Silva no mesmo blogue ou do Fernando Albino no Quinto dos Impérios. Eu estimo pessoal e intelectualmente muitas das pessoas que escrevem no Acidental. Infelizmente, algumas vezes detecto um espírito de ortodoxia, com pouco espaço de manobra para a discordância, sobretudo em política interna. E disso não gosto. Como ainda recentemente escrevi, dou-me muito mal com o colectivo. A prova de que O Acidental pode fugir ao «colectivo», no sentido dirigista do termo, é precisamente o post do FMS (o Francisco tem essa tendência inglesa para discordar civilizadamente, que faz dele uma ave rara na direita portuguesa).
O PPM insinua que eu mudei politicamente. Ora eu só me lembro de ter mudado politicamente numa matéria: era anti-europeísta e sou agora um europeísta prudente (mas igualmente antifederalista). Convenhamos que não fui o único que mudei nesse ponto. No mais, não mudei substancialmente em nada. O percurso «freitista» a que o Paulo se refere reporta-se essencialmente a três questões: a guerra do Iraque, a presidência Bush, o Governo.
Ora, eu não mudei em nenhum desses assuntos. Apoiei a guerra do Iraque em grande medida por causa dos relatórios da ONU, especialmente nas leituras em matéria da prova feitas por pessoas como Fernando Gil. Apoiei a guerra do Iraque presumindo que existiam ADM. Não existiam. Quando isso se comprovou, disse que não teria apoiado a guerra se soubesse (ou estivesse convencido) desse facto. O que me parece óbvio. E mesmo honesto, se me permitem. Chamar a isto uma mudança de opinião é uma ofensa à lógica.
Por causa da guerra (mas também da tortura, das liberdades civis, do expansionismo estatal), escrevi que Bush merecia perder as eleições. Acho que merecia. Por razões de accountability. De responsabilização. Publicações «freitistas» como The Economist e o Finantial Times escreveram o mesmo. O freitismo está na moda, ao que parece. Até nadou para lá do Canal.
A alternativa americana era má? Pois era. E escrevi isso mesmo. Mas Bush foi uma desilusão. Já em 2000 preferia John Mc Cain e agora gostava francamente mais de alguém como Giuliani. Mas o candidato da direita era Bush. E Bush era uma má opção.
Na questão nacional, ainda percebo menos a suposta mudança de opinião. Pertenço ao espaço político do Governo. Mas não vou deixar de criticar o Governo quando me parece que há razoes de crítica (e ainda por cima tenho criticado sobretudo questões algo laterais, como o dossiê imprensa, uma vez que não acho o Governo globalmente mau no aspecto propriamente governativo).
No caso do PP, a uma análise mais fria está associado um sentimento pessoal mais empenhado: é o partido no qual tenho votado (e no qual estupidamente me filiei, eu que detesto disciplinas e ralhetes). O partido tem sido para mim uma desilusão. Não como parceiro do Governo, mas como partido. Deixei de me reconhecer no PP(e tirei as devidas consequências teóricas e de secretaria). O Paulo Pinto de Mascarenhas pode achar as minhas razões estapafúrdias. Esperava que o fizesse. Não esperava que fizesse insinuações que, em última análise, são mais morais do que políticas. São mais bloquistas do que conservadoras.
Há uns tempos, o João Morgado Fernandes atirava-se a Diogo Mainardi porque este estava sempre a criticar Lula. Dizia o João que Mainardi tinha uma «obsessão» lulista. Mas, que diabo, Lula é o presidente do Brasil. É normal que um colunista político brasileiro se ocupe frequentemente do presidente brasileiro. Como é normal que um colunista português se ocupe frequentemente dos partidos do Governo em Portugal. E do presidente da única potência global. E que, em consequência, os critique quando for caso disso. Se tenho escrito, de forma crítica, sobre Bush ou a coligação, é porque a coligação e Bush estão no poder, e têm tomado decisões que me desagradam. Se é normal que critique a esquerda, também é normal que critique a direita. E não esperava uma acusação gramsciana como essa extraordinária falta de «lealdade orgânica».
Mas alguns Acidentais (e nisso não estão sozinhos) sugerem que eu estou feito com a esquerda. Sou um vendido. Um vira-casacas. Claro que não citam um único texto de esquerda que eu tenha escrito. Não: eu sou esquerdista porque critico a direita. E se critico a direita, é sinal de que tenho complexos de esquerda. De que sou um freitista. Claro como água.
Não, meus caros: eu não tenho complexos de esquerda mas também não tenho complexos de direita. Escrevo o que escrevo por convicção (a mesma que reconheço nos meus adversários). Uma convicção errónea ou falível. Com certeza. Como a de toda a gente. Mas só isso: uma opinião. Depois, tanto se me dá que a esquerda me chame «facho» ou que a direita me acuse de desvios esquerdistas. Não tenho ambições políticas. Não quero saber disso. E não me importa o que pensam de mim os pressurosos chefes de gabinete.
Mas importa-me o que pensam e dizem os amigos. Ou as pessoas que tenho como tal. Assim, lamento sinceramente que o Paulo Pinto de Mascarenhas tenha escrito o que escreveu acerca de mim. Mas eu, como conservador, sou um pessimista. Nunca espero muito das pessoas.
Pedro Mexia
4H44: Quando dizem que a literatura acabou, querem dizer que já podemos ir para casa?
Semana passada disseram que a arte tinha morrido. Não sei. Se a arte morreu, quem me passou aquele trote às 4h44 da manhã?
(«Dante Gabriel R.», no blogue Saudade do Presidente Figueiredo, citado a partir de Wunderblogs, Editora Barracuda, 2004, pág. 268). [P.M.]
CRÍTICA DE CINEMA: We Don't Live Here Anymore (Desencontros), é um filme independente americano, actualmente em exibição entre nós. Sobre o filme, isto é, sobre uma das actrizes do filme (Naomi Watts), escreveu a Village Voice: The fact is, Naomi Watts is a tremendous movie actress. She need only sidle on camera and glance over the terrain to claim the scene. What's her secret? Like the great Isabelle Huppert, Watts doesn't radiate feelings so much as she absorbs them. Mas também recomendo esta original crítica, assinada por um tal L.C.
Tanto de meu estado me acho incerto
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco e nada aperto.
É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao céu voando;
Num'hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um'hora.
Se me pergunta alguém porque assi ando;
Respondo que não sei, porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.
Não sei bem quanto será isto em «estrelinhas». O máximo é cinco, não é? [P.M.]
RGA: Sempre que referem a «coragem» de alguém, de um político em especial, recordo que Yukio Mishima deu uma conferência na universidade de Tóquio no ano de 1969, no auge do radicalismo político. Enfrentou uma espécie de RGA gigantesca, cheia de estudantes de extrema-esquerda que obviamente o detestavam. Não foi armado, mas levou um colete de protecção, debaixo da roupa. Penso sempre nesse episódio da vida de Mishima quando mencionam essa dita «coragem» deste ou daquele. [P.M.]
DUAS SEM TRÊS: Citei uma opinião de Eduardo Prado Coelho. J. disse: «esse gostava era de ser magro e bonito». Recordei uma opinião de José Pacheco Pereira. J. fuzilou: «esse gostava era de ser magro e bonito». Vendo o caminho que a coisa estava a tomar, deixei claro que eu não tinha a mais pequena opinião sobre coisa nenhuma. Ainda assim, observei que os olhos de J. brilhavam de maldade. [P.M.]
11/22/2004
O ÚNICO SÍTIO DA TERRA: A seguir absolutamente, a série de reportagens que Alexandra Lucas Coelho tem vindo a fazer no Médio Oriente. Um «jornal de referência» distingue-se, entre outras características, pelas suas reportagens e pelos seus colunistas. E o Público tem conseguido isso (sou insuspeito nessa matéria). A Alexandra depurou um pouco o tom claramente literário que os seus textos sempre tiveram, fazendo com que a simples apresentação, o mero relato, às vezes apenas uma enumeração, ganhem uma espessura quase poética.
Gostava de destacar algumas respostas da entrevista publicada na edição de hoje ao romancista isrealita David Grossman (que leio agora pela primeira vez, em edição da Campo das Letras). Uma excelente entrevista, longe da piromania dos que encaram o Médio Oriente com as luzes de um maniqueísmo a rair o racismo. Primeiro, Grossman diz as coisas são, de ambos os lados.
Somos os mais fortes, os ocupantes, temos muito mais margem de manobra. Somos mais estáveis do que os palestinianos, que apenas agora começaram a amadurecer politicamente. Dito isto, há simetria numa coisa: na capacidade de cada lado tornar a vida do outro amarga. Israel é um superpoder, temos uma centena de bombas atómicas algures, e no entanto, ficamos aterrorizados quando os nossos filhos vão para a rua. Portanto, de certa forma o sentimento de estar cercado é comum. Acredito que a vida deles é muito mais horrível, que devíamos ser mais generosos, gostaria de ver o meu primeiro-ministro a ir amanhã oferecer algo e pedir desculpa aos palestinianos pela injustiça que Israel lhes infligiu. E esperaria, em retorno, ouvi-los pedir desculpa pelo que fizeram. Porque não se tratou sempre da gloriosa luta pela liberdade. Foi também terrorismo.
E explica o que muitos não querem entender na posição israelita, a noção de território, por um lado, e a sensação de cerco, por outro.
(...) Quando se é um país muito pequeno, cinco milhões de judeus, e estamos rodeados por mais de 250 milhões de muçulmanos, cujos líderes nunca mostraram boa-vontade em relação a Israel; e quando dentro de Israel há uma minoria de um quinto que é muçulmana, e eles partilham os objectivos dos países à volta... Se Portugal estivesse na mesma situação, quantos anos seria capaz de manter a democracia como nós temos mantido? Quantos anos teria esta liberdade de discurso que me permite estar sentado aqui, no coração de Jerusalém, a fazer críticas duras aos líderes israelitas? Não é algo garantido que Israel possa manter isso. Muito mais natural é os israelitas estarem aterrorizados, quererem armar-se até aos dentes. Por quantas guerras passámos nos últimos anos, nem todas por causa de nós, algumas contra nós? Se se recordar de onde vimos, desta História traumatizante, de que Israel foi criado apenas três anos depois da Shoah, e subitamente, na Guerra dos seis dias, em 1967 (...), ficámos com esta enorme quantidade de território para um estado tão pequeno. (...) Território significa poder para uma nação que durante dois mil anos viveu uma vida abstracta, vida sem terra, sem exército, sem presença física.
Grossman não esquece o passado recente, que nada legitima mas que explica quase tudo.
É muito difícil acreditar que teremos um futuro. Eu nasci em 1954, o que é apenas nove anos depois da Shoah, e no meu bairro, durante criança, era acordado a meio da noite por gente que gritava com pesadelos sobre a Shoah. São precisas gerações para recuperar de um trauma assim.
Assim se percebe que um homem moderado, de esquerda, claramente alinhado no «campo da paz» lembre o que os inimigos de Isreal pretendem menorizar.
(...) Recebo vários convites para ir para fora, um ano, meio ano. E não quero fazê-lo. É o meu país. Não se abandona um familiar muito doente. Apesar de tudo o que acontece, talvez por ser um escritor de ficção, vivo todo o tempo com alternativas na cabeça. Como a hipótese de Israel nem ter existido - e isso aterroriza-me. Depois de 80 gerações de judeus que viveram sem um país, fui abençoado pela sorte de ter nascido neste país, portanto, embora haja tanto nele de que não gosto, há muitas coisas de que gosto realmente. (...) É o único sítio da terra onde não me sinto um estranho, e isso é algo muito novo para um judeu. Penso sempre que se há 75 anos um anjo viesse ter com o meu avô em Varsóvia e por um segundo lhe mostrasse uma cena nocturna na minha casa, eu, a minha mulher, três filhos, a comer um jantar que foi produzido com agricultura israelita, frutas, vegetais, os meus filhos a falarem hebraico, uma língua meio-morta há cem anos! E que tudo é israelita, tudo é deste lugar, até veria o seu neto a escrever artigos violentos contra um primeiro-ministro israelita! O meu avô pensaria que ou o messias tinha chegado ou o anjo estava louco. Era impossível e agora é a nossa realidade aqui.
Depois desta entrevista vou certamente encomendar Death as a Way of Life. Entre os autores israelitas, Groosman parece uma voz politicamente consistente (mais que, digamos, Amos Oz). Melhor que os palestinianos de Harvard ou Yale. E francamente preferível aos muitos «palestinianos» e «isrealitas» ocidentais, que apenas dizem por ouvir dizer. É muito difícil escrever sobre este assunto sem ter estado no Médio Oriente, razão pela qual evito o tema. Mas entrevistas como esta, sem radicalismo nem terrorismo verbal, esclarecem mais que mil profissões de fé meramente ideológicas.
(com um abraço ao Nuno Guerreiro, que merece todos os elogios pelo seu blogue e não nessa rábula grotesca do «good Jew/bad Jew» com quem o têm distinguido para atacar terceiros) [P.M.]
Depois de uma longa paragem, o nosso mail está de novo operacional. Pedimos desculpa a todos os que nos escreveram nos últimos meses e que ainda não tiveram resposta. Nas próximas semanas tentaremos dar vazão a esse correio em atraso.
PARABÉNS PELO FRACASSO: Aproxima-se o meu aniversário. Aos trinta e dois anos, Kierkegaard já tinha publicado, entre outras obras, Temor e Tremor (1843). Claro que não tenho (só se fosse parvo) pretensões a Kierkegaard, ou mesmo a botão solto do casaco de Kierkegaard. Mas quando os amigos nos parabenizam por supostos e espúrios «sucessos», convém lembrar datas e factos como este. [P.M.]
EU NÃO POSSO DIZER O MESMO: «Já dormi com bastantas mulheres. E nenhuma se queixou» (Angelina Jolie). [P.M.]
AUTO-AJUDA: Só me lembro de ter lido um sociólogo com empenho. E não foi nenhum dos autores que admiro, como Weber ou Simmel. Foi a obra de Durkheim sobre um determinado fenómeno social que na altura me interessava muito em causa própria e que não me interessa nada agora. Escusado será dizer que não li o livro como «sociologia», mas como uma variação extremamente perversa sobre o conceito de auto-ajuda. [P.M.]
TEATRO: Por vezes, assistimos a uma discussão em público. E parece que não são as pessoas que discutem, parece que representam os papéis (intemporais) que nós, os que assistimos à discussão, esperamos de cada um. No fim, não batemos palmas, mas agradecemos o conformismo de tal espectáculo. [P.M.]
LIVROS: Duas pessoas, no espaço de uma semana, que disseram: «Só te interessas pelos livros». E apesar de uma pessoa o dizer em tom de crítica e outra em tom de elogio, ambas tinham razão. [P.M.]
11/18/2004
FREUD EXPLICA: Kate Moss por Lucien Freud. A minha modelo púbere preferida e meu pintor contemporâneo (e neto de Sigmund) preferido. Ou como a carne é esse «belo horrível» que estudávamos no liceu. [P.M.]
A DOENÇA INFANTIL DA BLOGOSFERA: A forma clássica de insulto é a ofensa verbal ou injúria. Numa discussão, A chama A B «estúpido», «idiota», «anormal», «imbecil», «besta», «filho da puta». Igualmente populares são as designações animais, sobretudo «cão» e «porco». Se A chama a B «cão», B responde que A é que é um «cão». Ou diz que chamar «cão» a alguém demonstra escassez argumentativa. Ou declara que, com linguagem dessa, não há mais conversa. A ofensa verbal é epidermicamente desagradável mas inconsequente. E tira razão mesmo a quem a tenha.
Outra forma de insulto parte da exploração de uma característica da pessoa que se pretende ofender. Em geral, é uma característica física. Uma tipo, digamos, gordo e feio (é o meu caso), apanha sempre com variações sobre esse seu aspecto. A propósito e a despropósito. Alguns desses insultos são extremamente imaginativos, e até tenho alguns apontados, saídos de uma mentes barrocas e prodigiosas. Mas não é só o aspecto físico: um fulano é belfo, o outro anda sempre de gravata ou todo roto, outro usa consoantes dobradas, é gay, tem uma namorada gorda, nasceu em Chelas. Nem toda a gente lida do mesmo modo com a sua biografia ou mesmo com as suas fraquezas. Algumas pessoas ficam muito melindradas com considerações pessoais, outras levam na desportiva.
Depois, temos os insultos mais graves. É normal que se leia num texto coisas que lá não estão, ou mesmo o contrário do que lá está escrito. E depois alguém escreve: «a opinião desse senhor sobre a Segurança Social é normal, vinda de quem defendeu o extermínio dos ciganos». Claro que não é provável que alguém tenha defendido tal coisa. E quem acusa não cita nem fundamenta. Mas está dito, fica a calúnia. É uma sina que quem escreve tem de aceitar com resignação. Não se discutem necessariamente textos, mas preconceitos. E a iliteracia é evidente. Bem como a má-fé. Há sempre quem não entenda, mas também quem entenda e desvirtue. Quem não consiga discutir senão na base da desonestidade e da caricatura.
Finalmente, temos o insulto mais venenoso: a insinuação. Sobre lóbis, dinheiros, camas, cabalas. Os portugueses têm uma grande tendência para recorrer a teorias da conspiração. E gostam de lançar: «é normal que digas isso, sabemos bem de quem recebes ordens». E de quem é? Não interessa. «Nós sabemos bem». E basta.
Desde o início que sei que a doença infantil da internet é a agressividade. Nos chats, nos fóruns, nos blogues. A agressividade é natural nas pessoas, e ainda mais natural em condições de anonimato. E alguma agressividade é positiva, porque impede as pessoas de se tornarem amorfas e indiferentes. Mas há muita agressividade excessiva e mesmo doentia, sobretudo em blogues anónimos e nas caixas de comentários de blogues(o grande albergue dos grunhos).
Não me vou fazer de santo. Na primeira metade da minha experiência bloguística, estive metido numas quantas trocas de insultos. Algumas vezes tinha (em substância) razão, noutras não tinha razão nenhuma. Pouco importa. O despique insultuoso é sempre numa espiral improdutiva e azeda. Aprendi um pouco tarde que não se deve entrar nesse jogo. Mas deixo uma palavra para alguns bloguistas que admiro e que sempre souberam que é assim: gente como o Tiago Cavaco, o Luís Carmelo e o André Belo. [P.M.]
11/16/2004
INEPTO E INAPTO: Há uma diferença entre "inepto" e "inapto"?
- Espero que sim, caso contrário estou fodido. [P.M.]
11/12/2004
MAS ESTE É MESMO: Há uma regra de sensatez que determina uma desconfiança total face a um autor unanimemente considerado um «génio». E é uma boa regra. Mas, por uma vez, não vale. Toda a gente diz que W.G. Sebald (1944-2001) é um génio. E é mesmo. Austerlitz (2001) acabou de sair em português, pela Teorema. Comprovem. [P.M.]
ZERO DE CEM DE CINQUENTA E UM: Descobri por acaso Urban Tribes: Are Friends the New Family?, de Ethan Watters. É uma pequena maravilha. Sociologia empírica da boa (como sabem as visitas da casa, acredito pouco na sociologia como, cof cof, «ciência»). No caso, o tema é o progressivo aumento dos solteiros nas sociedades do primeiro mundo e o modo como a sociabilidade e a sexualidade se reconfiguram, sobretudo na substituição da família pelos amigos como núcleo de apoio e proximidade (desculpem a prosa). Material fascinante. E que não me é nada estranho.
Deixo aqui uma historinha que Watters perversamente reproduz. Numa conversa sobre «compromissos», uma amiga de Ethan contou-lhe o episódio de uma mulher que tinha deixado o namorado porque o namorado não se entregava. A namorada confrontou o indivíduo com esse facto. E o tipo reconheceu que só lhe dava «51 por cento». Mas que, «desses 51 por cento», lhe dava «100 por cento».
O idiota, comentava a amiga de Watters. A namorada, tendo ouvido essa explicação patética, optou por zero por cento de cem por cento de cinquenta e um por cento. Isto é: mandou o marmelo à fava. O idiota, comentava a amiga de Watters.
Ethan concordou que se tratava de um idiota. Só não confessou à amiga que esse idiota desconhecido se chamava Ethan Watters. A sociologia empírica é uma grande puta.
(para o Bruno. para a Sam) [P.M.]
GLÓRIA (2): Uma senhora disse a uma amiga de uma parente (uf) que o marido tinha ido «para a farra» por causa de uma crónica que um puto estúpido tinha escrito numa revisteca. Uma crónica sobre farras masculinas. Estava furiosa, a dita senhora, e apontava o escriba como responsável pelo dano conjugal.
Acontece que esse estuporado escriba sou eu.
E se o marido tiver encornado a esposa nessa noite? Temo que me ponham a pagar uma pensão de alimentos. Como autor moral. [P.M.]
GLÓRIA (1): Uma senhora aproxima-se de mim e diz: «Gosto muito das crónicas que escreve no Correio da Manhã». [P.M.]
11/10/2004
OS DEZ MANDAMENTOS ERAM SÓ DOIS: Agora que está toda a gente muito excitada com o «perigo religioso» (o cristão, claro, que no islâmico não se toca), vale a pena brincar com o assunto. Outro dia recebi uma carta que me verberava por brincar com a religião. Há coisas com as quais não se brinca, dizia a senhora. Lamento, mas não há coisas com as quais não se brinca. E os assuntos importantes são precisamente os que mais merecem brincadeira. Gosto de piadas sobre sexo e religião porque religião e sexo são duas das coisas mais importantes para mim (aí estou bem acompanhado por um certo senhor Cohen).
Descobri há meses George Carlin. For my money, é o melhor comediante americano. É também o mais esquerdista. Com uma voz rouca que debita textos magníficos e muito letrados, feitos de um radicalismo essencialmente libertário. Às vezes tenho que gramar certas piadas que me desagradam, mas nunca fiz da concordância uma condição para admirar um artista (e nisso, pelos vistos, estou bastante sozinho na blogosfera).
Carlin, que tem uma obra vastíssima, deu agora em implicar com a religião. E teve chatices. Livro retirado das lojas e tudo. Espreitem o site do cavalheiro e ouçam de borla, em mp3, a razão pela qual os 10 mandamentos deviam ser apenas 2. Ou, citando Carlin, a razão pela qual Moisés podia ter dispensado as tábuas e metido os mandamentos no bolso. (mp3 não aconselhável a fãs de Rocco Buttiglione) [P.M.]
11/09/2004
ENTRE DUAS QUEDAS (2): E o que se passou entre 1989 e 2001? Segundo Philip Roth «terrorism - which had replaced communism as the prevailing threat to the country's security- was succeeded by cocksucking» (The Human Stain). A minha vida, porém, não foi assim tão animada. [P.M.]
ENTRE DUAS QUEDAS: A minha vida política tem duas datas. As únicas (que vivi conscientemente) que nunca esqueço: 9 de Novembro de 1989 e 11 de Setembro de 2001. Entre duas quedas. [P.M.]
DANOU DANOU: Uma vez apaixonei-me (ou coisa que o valha) por uma modelo (ok, riam lá um bocado). E mandei-lhe este poema do cavalheiro Camões:
Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida covardia
De pedra serve ao livre pensamento.
Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A estrela nele encontra que lhe é guia;
Que o bem que encerra em si a fantesia
São ũas ilusões que leva o vento.
Abrir-se devem passos à ventura;
Sem si próprio ninguém será ditoso;
Os princípios sòmente a sorte os move.
Atrever-se é valor e não loucura;
Perderá por covarde o venturoso
Que vos vê, se os temores não remove.
A rapariga nunca respondeu. Suponho que apagou o mail. Esta, nem o próprio Camões. [P.M.]
QUÍMICA: Segundo a linguagem comum e segundo cada vez mais estudos, para existir atracção entre duas pessoas é necessária uma determinada «química». Está explicada a minha miséria sexual. No liceu, se bem me lembro, tive umas quatro negas a Química. [P.M.]
11/08/2004
PRECISO MESMO DE UMA: Ando mesmo precisado de uma. Já não aguento mais.
Primeiro, vi anúncios nos jornais. Depois, recorri a sites. Sempre trazem fotos e a gente não vai ao engano. Embora, reconheço, as fotos também enganem. E as qualidades que apregoam se revelem muitas vezes falsas, numa linguagem excessiva e cansativa.
De qualquer modo, todas as que me pareceram realmente boas são demasiado caras. Não tenho dinheiro que chegue. Porém, não desisto. Procuro outras. Estou mesmo mesmo precisado de uma.
É muito difícil, isto. Comprar casa. [P.M.]
GORDINHOS: Sempre me fascinou aquela engenhoca que nos faz perder barriga enquanto vemos televisão. Mas também me preocupa. É que eu adorava perder barriga; mas se é preciso ver televisão prefiro ficar assim. [P.M.]
MAGRINHOS: A Capital renovada tem agora como colunistas diários Jacinto Lucas Pires e José Luís Peixoto, anunciados como «os pesos pesados da nova geração» (de escritores). Ora eu tomo isto como uma ofensa ad hominem. Dirigida claramente contra mim. É que, meus amigos, eu também faço parte dessa tal «nova geração» e, não duvidem, tenho mais peso que o Jacinto e o Peixoto juntos. [P.M.]
11/07/2004
TRANSFORMER: FNAC do Colombo, sábado à tarde. Estou perto da secção de poesia. Um tipo entroncado, ao meu lado, marca um número no telemóvel:
«Tá? Sou eu. Tás porreiro? Comé? Tou. Inda tás no ginásio? Eu ainda tenho umas cenas pa fazer. É pá, num sei. Tava a pensar irmos jantar ao Unidos. É fixe. Tem caracóis. Sim, esse, é fixe. Tás nessa? Então bora, tamos lá às nove. Tchau».
Desligou. Então vira-se para a namorada e diz, como quem retoma a conversa:
«Compra esse do Herberto Helder. Mas o novo do José Agostinho Baptista também é bastante bom». [P.M.]
11/06/2004
AQUI HÁ GATO: Desde o falecimento criativo de Herman José, apareceram apenas duas novidades humorísticas com alguma sequência e consequência. O moscardo impertinente que é O Inimigo Público (responsável pela revelação dos fantásticos manos Elias) e o Gato Fedorento. Já não vão a tempo de comprar bilhetes para o espectáculo dos Gatos no Tivoli (começou ontem e acaba manhã), mas lembro que um best of vai ser posto à venda em breve. Em vez de estarem a descarregar da net, nem sempre com boa qualidade, orientem lá uns euricos para o dêvêdê dos rapazes. Comédia inteligente é um bem tão raro que vale a pena esgotarem a coisa, ó seus malucos do riso. [P.M.]
PICHANDO: Ainda existem por aí algumas pichagens da época do PREC. Muitas proclamam que o «poder» isto e que o «poder» aquilo.
É comum que as pichagens levem com outras pichagens em cima. Outras vezes, são corruptelas. A palavra «poder», com efeito, está mesmo a pedir intervenção urbana. Em muitos grafiti, basta um toquezinho na barriga do «p». Assim, certas paredes ostentam referências fresquinhas ao «foder popular». Caso para dizer que, trinta anos depois, os pichadores atinaram enfim com as prioridades. [P.M.]
CIBERQUÊ: Do ensaio de António Fernando Cascais que citei noutro post, mais um excerto:
Com o cibersexo, a tecnologização da sexualidade atinge um novo patamar. Afigura-se, no entanto, que o cibersexo, o que lhe sobra em ciber mingua-lhe em sexo. Vistas de perto, as folestrias cibersexuais são regidas por um noli me tangere tecnológico que se veio substituir ao moral. O engate virtual, ou se resolve no encontro real, ou suspende para sempre a presença do outro, aproximando-se do dispositivo erótico de dissuasão do sexo de que falámos atrás: é sempre possível desligar pura e simplesmente. O maior contributo da cultura das redes para a sexualidade dos nossos contemporâneos será sobretudo a criação de comunidades virtuais, assentes sobre três pilares: o engate sobretudo através de salas de conversação (chats), mas também da publicitação de perfis, a criação de personae sexuais nos sites especializados em encontros ou em páginas pessoais e blogs, e o comércio de artigos e imagens, mas também a prostituição e os serviços de acompanhantes (entre os quais há incluir as redes criminosas dedicadas à prostituição e à pedofilia). (...) Todavia, para que o sexo do cibersexo sobrepuje o ciber que não o é, terá, e para o ser realmente, de passar dos preliminares, ensaiados à distância, ao acto em presença.
Entendo a lógica desta passagem, mas não concordo totalmente. Mais uma vez me parece que o sexo é apenas uma parte (a menor parte) da sexualidade. Nesse sentido, o cibersexo é, mais propriamente, uma cibersexualidade. Claro que não há sexo sem encontro, e que phone sex, chats ou videochats são apenas formas sofisticadas de masturbação. Mas a sexualidade cibernética não pode ser arrumada como falsa, na medida em que consubstancia uma parte importante da sexualidade moderna, nalguns casos quase integralmente (não vou citar nomes). Assim, o que acontece é uma cada vez maior distância entre a sexualidade e o contacto físico. Com a tecnologia, o sexo aumenta a sua condição de cosa mentale. [P.M.]
11/04/2004
DEFESA OFICIOSA: «Ele não é misógino, é apenas leitor do Pavese». (para MJO) [P.M.]
OBRIGADO: Depois do triste abandono da Inês, outro dos meus blogues obrigatórios fecha portas. Obrigado Janela Indiscreta pelo serviço público. (E obrigado pela última foto, a minha cena preferida de um dos meus três ou quatro filmes favoritos). [P.M.]
11/03/2004
DEFEITO OU FEITIO: Faço minhas as palavras do João Pedro George: «Sinto-me de direita, como quem nasce com uma doença genética». Ou do maradona, em conversa: Nenhuma pessoa de direita (boa da cabeça) tem orgulho em ser de direita.
Somos o que somos, simplesmente. E vamos vivendo com isso como podemos. [P.M.]
MANDEM DIZER AO COLECTIVO QUE FUI LANCHAR: Chegaram-me por diversas vias (incluindo via Technorati) algumas manifestações de decepção pela minha tomada de posição «a favor de John Kerry». Como dos posts do Fora do Mundo não resultava de todo isso (eram posts sobretudo anedóticos, porque o FdM não é um blogue político), penso que as pessoas se referiam ao meu artigo no Diário de Notícias.
Sempre tive como regra não responder no blogue a textos que tivesse publicado na imprensa. Fiz duas ou três excepções (encontram uma aqui), e penso que este é outro caso excepcional. Em primeiro lugar, porque me aborrecem as leituras apressadas e erróneas. Houve quem comentasse que eu «votava Kerry».Ora bem: para além dessa mania de nos fazerem votantes de países estrangeiros, eu nunca escrevi sequer que «apoiava» Kerry. Na página do DN citada, o meu colega de blogue Pedro Lomba escreveu isso. Mas não é por sermos bons amigos que pensamos necessariamente o mesmo. Como se pode ver pelo post deste blogue intitulado «Eleições americanas # 6», se eu votasse, certamente votaria em branco. O que significa que nenhum dos dois candidatos era o meu candidato. Não escrevi absolutamente nada de positivo sobre Kerry. Era um mau candidato. Um inconstante. Uma incógnita. Está tudo aqui (e também aqui). Apenas admiti que fosse «um mal menor». Com alguma boa vontade. Mas sem nenhuma esperança. Porém, pessoalmente não me agrada a lógica do «mal menor», sobretudo em eleições uninominais. Por isso tenho votado em branco nas presidenciais portuguesas e votarei em branco em 2006 quase de certeza. Se fosse americano, ontem teria votado em branco. É só ler o que escrevi.
E o que escrevi foi que não conseguia mais apoiar George Bush. Por estas quatro razões: as inexistentes ADM, os casos de Guantánamo e Abu Ghraib, o Patriot Act e a política iraquiana. Não vou repetir o que disse. No que diz respeito às ADM e a tortura, até tinha escrito sobre o assunto anteriormente, exprimindo exactamente o mesmo ponto de vista. Creio que era necessária uma responsabilização de Bush pelo seu mandato. E, nas matérias citadas (como noutras), o balanço é para mim muito negativo, razão pela qual não me sentia capaz de votar em Bush (se fosse americano). E não é preciso «virar à esquerda» para tomar esta posição. Como disse alguma imprensa conservadora (cito o Detroit News), Bush não cumpriu as promessas no que diz respeito ao «conservadorismo fiscal», à «prudência na política externa» e ao «governo limitado». O défice cresceu, as políticas estatais aumentaram, o messianismo político entrou em derivas perigosas, como a convicção de que a democracia se implanta, à força, por todo o mundo.
Embora tenha sido sempre considerado um «bushista» pelos palermas do costume, não simpatizo de todo com a ala do partido Republicano que tem vindo a ganhar peso com este presidente. A direita religiosa e os neoconservadores messiânicos, nomeadamente. Se fosse americano, votava certamente Republicano. Mas em Giuliani, Pataki, Bloomberg ou McCain (que era o «meu» candidato em 2000), não em Cheney, nem na facção Fox News/Pat Robertson. E, como sabem os mais atentos, a diferença entre essas correntes é tão grande que é quase como se fossem partidos diferentes.
Apoiei a guerra do Iraque porque acreditei na existência de ADM. Uma convicção altamente potenciada pela recusa iraquiana em colaborar com os inspectores das Nações Unidas. Como escrevi na altura, não apoiaria a guerra com outros motivos. E não a teria apoiado se estivesse convencido da inexistência dessas armas. Outros defenderam a guerra com fundamentos diferentes. Mas a minha posição estava essencialmente ligada à existência desses arsenais perigosos. Creio que não devemos varrer para debaixo do tapete a sua inexistência. Sabemos agora que a guerra se fez com um pretexto que se revelou falso. E apoiar uma guerra com base em falsidades – para citar Pinheiro de Azevedo – é uma coisa que me chateia. Só isso bastava para eu não apoiar mais Bush.
E sobre este assunto, está tudo dito. Mas falta acrescentar alguma coisa. A saber: a minha recusa de toda a presunção (ou coacção) no sentido do pavlovianismo ideológico. Sou assumidamente de direita (mais exactamente um conservador); mas isso não implica que apoie e defenda todos os políticos ou todas as políticas de direita. Conheço o espaço político em que me situo, mas considero-me totalmente independente. E livre de criticar ou discordar sempre que me pareça que é caso disso. Sob pena de ter que bater sempre palmas ao actual Governo, mesmo quando dá provas de incompetência. De fingir que não há nada de errado na situação monopolista de Berlusconi. De apoiar o desprezível Chirac apenas porque, ei, ele é de direita. Nem pensar nisso. Sou de direita, em grande medida, para não ter que me submeter a cartilhas e a policiamentos, para pensar o que achar por bem sobre cada assunto, sem necessitar de aprovação de um qualquer guardião dos selos.
Estou, muitas vezes, em desacordo com a maioria da direita. Nos assuntos que referi, mas também, por exemplo, no caso Buttiglione (ver a minha carta aqui) ou em grande parte das matérias morais. E haverá sempre um Manuel Alegre dextro com um canhenho que anote e diga: «mas se falhaste no ponto 7, 13 e 16, então não és realmente de direita». Bardamerda. Sou um individualista, não delego as minhas convicções no colectivo, no consenso, no conveniente. A minha frequente discordância face à direita não me preocupa nada, bem pelo contrário. O que seria péssimo era assumir uma formatação ideológica e depois estar obrigado a uma atitude absolutamente ortodoxa e coerente, não me separar um milímetro do «meu» lado, ir sempre pastoreado com o grupo. Para isso, não contem comigo. Uma pessoa de direita nem sequer tem que apoiar a direita política. Conheço muitas pessoas de direita que nunca votaram na direita, que votam socialista ou são abstencionistas. E não perdem pontos na carta de condução direitista por causa disso.
Em resumo: se as pessoas de direita esperam de mim um direitismo by the book, esqueçam. Gosto de pensar pela minha própria cabeça. Compreendo (e respeito) que discordem ou que lamentem. Não compreendo, nem aceito, que me prendam a um seguidismo que nada tem a ver com a minha personalidade, que insinuem que saltei para a carruagem (que, como se viu e se previa, não foi a lado nenhum), nem que me passem multas por comportamento incorrecto. Se eu quisesse ter polícias a vigiar a minha ortodoxia há muito que me tinha filiado no PC.
Quanto à vitória (desta vez clara) de George Bush, um voto: que o segundo mandato seja francamente melhor que o primeiro. [P.M.]
11/02/2004
DEMOCRACIA: Não tenham demasiadas expectativas quanto às eleições americanas. Em Junho, os estónios tiveram oportunidade de mandar Carmen Kass para os representar no Parlamento Europeu e não lhe deram votos suficientes. Tem democracia que é cega. [P.M.]
ELEIÇÕES AMERICANAS # 15: E pronto. Agora é com os americanos.
O Fora do Mundo não manifesta a sua preferência eleitoral. Christopher Hitchens conta uma boa história a esse propósito:
The late Lillian Hellman was a ghastly piece of goods in numberless ways, but she did still have a percentage of courage and wit. At a campus event quite late in her life, when asked in a whiny way by a member of the audience "why have you not endorsed gay lib?" she paused briefly. Her thick and darkened spectacles were opaque. "The forms of fucking," she finally declared, "do not require my endorsement."
Que ganhe o menos pior. [P.M.]
ELEIÇÕES AMERICANAS # 14: Como tem sido observado, os disparates que se escrevem sobre os «neo-conservadores» são mais que muitos. Os «neo-cons» (por favor evitar pronúncia francesa) servem para tudo. E muita gente não percebe as suas origens intelectuais, que têm décadas e um processo longo e curioso.
Mal por mal, antes uma gralha como esta, num artigo de Augusto M. Seabra:
E, na sequência de outros testemunhos, é a este respeito que "The World According To Bush" me parece crucial. Pelo Iraque e não só - pelo esclarecimento da aliança entre os fundamentalistas cristãos (e esse facto sem precedentes e "contra-natura" que é a aliança da direita cristã norte-americana e da direita sionista israelita, unidas numa comum tentação teocrática), neo-conversadores e grande grupos de interesses como a Halliburn e a Carlysle.
As empresas estão igualmente mal grafadas, mas gosto em especial dessa gralha que eu, por qualquer razão, dou também muitas vezes: neo-conversadores.
Nem percebo porque me foge o teclado para esse erro. É que os homens nem gostam assim lá muito de conversa. [P.M.]
ELEIÇÕES AMERICANAS #13: Na sequência do post anterior, espreitem isto: este malandro aconselha o voto no candidato mais parecido com George H. W. Bush (o pai). Obviamente: John Kerry. Olha que bem apanhado. [P.M.]
ELEIÇÕES AMERICANAS #12: Como lidam os casais e as famílias com as diferenças políticas, sobretudo num momento tão polarizado como este? Pouca gente pensa nisso. Mas o New York Times investigou:
In towns big and small across the country, couples and family members on opposite sides of the political fence are struggling to maintain amicable relationships as a highly polarized political season reaches its apex. With the presidential race so close and emotions so raw, their homes are microcosms of the sharply divided electorate, places where a kitchen-table conversation can quickly devolve into the bitter back and forth of an episode of "Crossfire" or worse.
Em suma, a política rapidamente serve para mofinos fins pessoais:
Three weeks ago Dr. Manevitz said, a boyfriend and a girlfriend who had visited him for counseling broke up. Her final remark was, "He's a Republican."
Há quem considere isso um excitante:
Mr. McAllister, who runs a digital media company in New York, said conversations about politics and their divergent views made for more passionate evenings with his new date, a marketing executive. "It was an enhancement to our chemistry and sexual energy," he said.
Porém, rapidamente se desenganam:
But then the fantasized ideal began to crack. When Mr. McAllister went to a casting call for a commercial for the left-leaning group MoveOn.org and got a part, his girlfriend was dismayed. "Having a spirited debate is one thing, but being part of a political machine that opposes her candidate is another," he said.
She broke their next date, and soon the relationship ended. "The temperature went from boiling to subzero after I did something to get people to support my candidate," Mr. McAllister said.
Então a política pode ser um pretexto ou uma projecção de outros conflitos:
Among families, political disagreements can indeed find bitter and hurtful outlets, especially when children and parents see their differing political opinions as rejections of each other's worldview.
No que diz respeito a pais e filhos, a discordância vem no ADN, não é grave. Já entre casais o melhor é não abusar da sorte. O conselho vem em todos os dating manuals : «nunca discutam política». [P.M.]
11/01/2004
O GRANDE CAPITAL [com uma piada roubada]: Algumas pessoas têm brincado com o Ricardo por causa do anúncio do Montepio. Eu próprio o atazanei um bocadito. Mas no gozo. Porém, parece que há quem o critique a sério. Quem esteja realmente chocado. Dizem que se «vendeu ao grande capital». Mas, se escavarmos bem, tenho a certeza de que também terá defeitos. [P.M.]
IRS: Tenho um enorme fascínio pelos anúncios de «acompanhantes» (e não apenas na perspectiva do utilizador). De vez em quando, acreditem, aparecem pérolas semióticas. Lembro-me de um anúncio maroto no Jornal de Notícias que prometia «duas cunhadas». Ou da «inesquecível socióloga», ainda em actividade (e sobre a qual escrevi). E agora, nas imprescindíveis páginas do Correio da Manhã, dou com este: «Jovem Escorpião recebe senhoras inteligentes e com o IRS em dia 91xxxxxxx».
Imagino que é algum código sexual. Ou será um exercício de nonsense? Este rapaz de aluguer será apenas um rufia com o seu calão ou estamos perante o John Cleese da putaria? [P.M.]
ELEIÇÕES AMERICANAS # 11: Hollywood em peso está com Kerry. O costume, mas desta vez ainda com mais força e em maior número. Os Penns, Robins, Sarandons. Mas também os Clooneys. E mesmo as Scarletts e os Di Caprios. Um responsável Republicano não parece preocupado, argumentando: Autograph-hunters don’t necessarily vote. And why should anyone with a brain of their own listen to Ben Affleck on politics? Ora aí está uma coisa bem dita. [P.M.]