10/30/2004

Continuamos com problemas no mail. Daí a falta de resposta a vários que exigiam resposta e de que tivemos notícia por outro meio. O problema será resolvido no fim-de-semana.

Entretanto, foi preenchida a entrada do dia 8 de Outubro sobre Rodney Dangerfield. Ainda em branco as entradas sobre Derrida e os Magnetic Fields. Isto às vezes não sai à primeira.

ELEIÇÕES AMERICANS # 8: O grande P.J. O’Rourke, perguntado sobre o seu voto actual e passado, diz:

2004 vote: George W. Bush, because I don’t want Johnnie Cochran on the Supreme Court.

2000 vote: George W. Bush. (I always vote Republican because Republicans have fewer ideas. Although, in the case of George W., not fewer enough.)


Aí esta uma «piada de direita» na sua expressão máxima (sem contar com George W. Bush). [P.M.]

ELEIÇÕES AMERICANAS # 7: De um texto sobre as eleições americanas, que pesquei salvo erro do Público, guardei esta passagem:

Indicadores culturais seriam assim ferramentas mais poderosas para prever o apoio a cada candidato do que o estatuto económico dos eleitores. É o caso, por exemplo, daquilo a que os analistas do estudo chamam o "marriage gap"; ou seja, entre os eleitores casados, tradicionalmente mais conservadores em questões sociais, Bush tem uma vantagem de 12 pontos; entre os solteiros, habitualmente mais liberais em termos sociais e económicos, é Kerry quem lidera com 20 pontos de avanço.

O «marriage gap», meu caro Nuno. São os cientistas sociais que o comprovam. Mas, se bem te lembras, um rapaz mais empírico que tu conheces bem sempre disse isso mesmo. [P.M.]

ALSO: Seamus Heaney fazia uma leitura em Lisboa. No fim da sessão lá estava eu, engrossando a caravana para os autógrafos. Quando cumprimentei Heaney e lhe estendi os Selected Poems, o bom irlandês olhou para mim com olhos serenos e afáveis e disse: «So, you are also a poet?»

Não faço ideia que razão o levou a fazer tal pergunta. Heaney não me conhecia, como é óbvio, nem tínhamos sido apresentados por ninguém. Era um completo «guesswork».

Eu não era (não sou) «um poeta», mas simplesmente alguém que escreveu poemas e os deu à estampa. Disse isso mesmo: que tinha «publicado» poemas. Mas porquê a pergunta? Apeteceu-me perguntar isso, mas não perguntei.

Mas pergunto ainda. Esse reparo de Heaney era uma pergunta da praxe, de quem presume que pessoas que vão a recitais de poesia escrevem poesia? Ou resultou de um ignoto sinal de reconhecimento? Mas isso era admitirmos que existe uma figura (mesmo física) que é reconhecível como «um poeta». Não acredito nisso. Então, como foi? Continuo sem saber. Mas fez-me impressão.

Quando estou desanimado com o que escrevo (quase sempre), penso nesse «also» presuntivo e cortês e acredito que talvez, mais tarde. Muito mais tarde, talvez. [P.M.]

VEMOS BEM: Lembro-me, há uns dez anos, de um amigo me dizer que havia demasiado sexo visual para o sexo real que realmente existe. Com esta ou outra formulação, ouvi essa teoria imensas vezes. Esse queixume. O sexo visual contra o sexo concreto. Mas poucas vezes vi tal problemática formulada de modo tão coerente como neste texto de António Fernando Cascais. Não subscrevo tudo o que no texto (e neste excerto) se diz, mas é uma abordagem muito produtiva à tortura sexual da visão.

Um apontamento, porém: há que dizer que, hoje, o principal mecanismo de dissuasão da prática sexual, da passagem ao acto, é precisamente o erotismo visual. A erotização do olhar pressupõe a sobre-estimulação da visão, com a concomitante narcose dos demais sentidos, como há muito o apontou McLuhan. Ora os prazeres do sexo são mais áudio-tácteis que visuais, mais afins da incandescente cegueira da pele e das mucosas que da cortante frieza do olhar que vive da distância que permite ver. Não que o olhar não possa convidar, sugerir, provocar, trespassar. Mas ou ele se resolve no toque ou o suspende, dissuadindo-o, refreando-o até o dessenbilizar. A omnipresença do erotismo visual tanto na esfera pública como na privada tem precisamente por resultado a dessensibilização, a desaprendizagem, a inibição da sinestesia sexual. A sobre-especialização visual vai a par com a iliteracia sensitiva. Vemos bem, tocamos mal.

O meu principal ponto de discordância é este: a vivência erótica não se esgota no sexo. Creio que por vezes se dá demasiada importância ao sexo. Mas nunca se dá demasiada importância ao erotismo. Mesmo porque o erotismo, ainda que alimentado pelo que vemos, tem sobretudo a ver com aquilo que imaginamos. E aí não há «dissuasão» social que nos valha. [P.M.]

ELEIÇÕES AMERICANAS # 6: Ao sexto post sobre as eleições americanas, o leitor impaciente pergunta: «Mas afinal em que é que tu votavas, ó palhaço?». Querem que eu faça um desenho? [P.M.]



THE RUSSIANS ARE COMING: Confesso: as tenistas sempre me deram ponta. Aquelas saiinhas esvoaçantes e curtérrimas, a cueca espreitadora, a pernoca elástica e um pouco musculada, o cabelo apanhado, os gemidos nas jogadas mais exigentes.

Na minha memória, a tusa máxima era Chris Evert. Agora, apareceram as russas. Kournikova, lolita ariana um pouco pimba, tenista de segundo plano, mais a fazer render the body do que grandslamar por aí. E, ainda mais lolita, Sharapova. Dizem que é mais gira que Kournikova. Nem pensar. É apenas uma teen, que nos comove sexualmente quando se põe de joelhos ou tapa a cara com as mãos. Mas é uma miúda, uma russa loirinha sem sofisticação ou aura. É apenas uma rapariga esbelta em movimento.

Mas o que existe de mais alto no mundo todo? [P.M.]

10/29/2004

E UM POST SEM SER SOBRE SEXO, NÃO SE ARRANJA? Não. [P.M.]

LAUSTRÍBIA: Alguns leitores provavelmente não gostarão de uma palavra tão brutal como «punheta». Eu também prefiro outros vocábulos. «Clavicórdio» é bem mais bonito. Mas, para quem quiser evitar «punheta» (e o coadjuvante «bater uma»), sugiro uma expressão de Alexandre O’Neill: «esgaramantear uma laustríbia». Se estiverem numa reunião de trabalho e forem tomados de fúria hormonal, digam polidamente «vou ali esgaramantear uma laustríbia mas não demoro». Ficam todos a pensar é uma doença rara e ninguém pergunta mais nada. [P.M.]

NÃO HÁ NADA: Num filme de Fellini – Intervista (1987) – Marcello Mastroiani conversa com um puto sobre sexo, durante uma viagem de carro. Pergunta ao puto se gosta de mulheres. A resposta é pouco entusiasta. Não me lembro do diálogo textualmente, mas sei que Marcello, incrédulo, insiste: se o miúdo gosta ou não gosta de mulheres. «Gosto. Mas não há nada como uma punheta». Então Marcello faz uma cara sonhadora e concorda: «De facto, não há nada como uma boa punheta». É um dos momentos mais líricos de toda a obra de Fellini. [P.M.]

ELEIÇÕES AMERICANAS # 5: Há alguns anos, surgiram rumores de um duelo presidencial cinéfilo. Pelos Democratas, Warren Beaty. E pelos Republicanos, Clint Eastwood. Era bonito. Não sei se dariam bons presidentes. Sei que, entre os dois, teriam comido cerca de um terço do eleitorado. [P.M.]

ELEIÇÕES AMERICANAS # 4: Morrissey também apoia Kerry (dica BdE). Nada de novo. Mas diz, e tem razão, que o candidato ideal seria Jon Stewart. [P.M.]

O MEU DIRECTOR: Quando José Manuel Barroso retirou a sua Comissão da votação europeia, todos pensaram que se preparava para negociar um novo elenco. Afinal, Barroso não esteve para chatices e deu o fora. Regressou à pátria. E é o novo director do Diário de Notícias. A governamentalização despudorada continua. [P.M.]

10/28/2004

MINHA CARA HOMES: Os leitores mais desconfiados (isto é, os de direita) ficaram certamente de pé atrás quando eu me referi a uma romancista giríssima. É verdade que existem poucos casos registados. Mas esta senhora, A. M. Homes, é winda. E ainda por cima uma bela escritora. [P.M.]



ELEIÇÕES AMERICANAS #3: Lance Armstrong vota Bush. Aí está um homem com coragem. Eu nunca arriscaria perder uma namorada como Sheryl Crow. [P.M.]

PRESSÕES: Qual o filme actualmente em cartaz que se mostra mais atento ao momento político português? Eu digo: está no Cinebolso (Lisboa) e é um filme porno. Coisa que só demonstra como esse género desprezado tem uma dimensão de fulgurante modernidade. A fita não apenas se chama Abuso de Poder como, segundo creio, o tema das «pressões» está presente do princípio ao fim. [P.M.]

ELEIÇÕES AMERICANAS #2: A Slate perguntou a trinta e um romancistas americanos o seu sentido de voto nas eleições do próximo dia 2. Com esse universo, o resultado é óbvio: a esmagadora maioria vota Kerry.

Mais precisamente, vinte e quatro: Dan Chaon, Amy Tan, John Updike, Jonathan Safrar Foer, Rick Moody, Joyce Carol Oates, Diane Johnson, Jonathan Franzen, Judith Guest, Edwige Danticat, Chang-Rae Lee, Jane Smiley, Jennifer Egan, Russell Banks, Daniel Handler, George Saunders, Jodi Picoult, Gary Shteyngart, Jim Lewis, Vendela Vida, David Amsden, Elizabeth Hardwick, Nicole Krauss, Thomas Beller. Alguns estão entre os meus autores favoritos, como os mais novos Moody ou Franzen ou os clássicos Oates, Banks e Hardwick (esta sobretudo como ensaísta). Muitos dizem-se mais próximos de Ralph Nader, ou pelo menos à esquerda dos Democratas. As suas respostas são violentas e apocalípticas. Usam palavras como «fascismo» e «tirania». E não concebem que um escritor (que uma pessoa civilizada) possa votar senão Kerry.

Estranhamente, a Slate encontrou mesmo quatro romancistas que votam Bush(curiosamente, dois deles dizem que são Democratas). Os nomes não me dizem nada: Orson Scott Card, Robert Ferrigno, Roger L. Simon, Thomas Mallon. Mas têm tomates. Não por votarem Bush, mas por dizerem que votam. Não é coisa com que se ganhem leitores nem good reviews.

Nas respostas, gosto particularmente dos três escritores que fazem declarações de voto inconclusivas ou bizarras. Um deles (Richard Dooling) não conheço. Mas Loorie Moore e A. M. Homes são, como Oates, as minhas escritoras americanas favoritas. Diz Lorrie Moore:

Are there really any novelists voting for Bush? I am tempted, since my vote is almost always bad luck, its recipients almost always losing.

Mais divertida ainda é A.M. Homes (uma mulher giríssima, ainda por cima) que diz que o seu candidato é:

Richard Nixon, because I found him so fascinating the first time around I'd be curious to see what he could do from the beyond

Quantos romancistas portugueses votam à direita? Se não contarmos com os light, não creio que encontremos quatro. [P.M.]

10/26/2004

ELEIÇÕES AMERICANAS #1: Grande definição da revista libertária Reason, sobretudo tendo em conta os candidatos presidenciais 2004:

Voting for president is a lot like sex—and not just because it takes place every four years in the solitude of a semi-private booth. Both are intensely personal activities that nonetheless can have profound public consequences. We might add that both often involve drug-and-alcohol-fueled delusions and morning-after feelings of guilt, shame, and recrimination. [P.M.]

INTERSTÍCIOS: Detesto a mistura impúdica entre política e literatura. E desconfio sempre de escritores conhecidos sobretudo por razões políticas.

Se fosse vivo nessa época, teria certamente torcido o nariz ao Nobel dado a Boris Pasternak, porque se tratar tão descaradamente de um prémio político. E, notem, não há nada que abomine tanto como o comunismo. Mas literatura, meus amigos, é literatura. Nunca tive curiosidade pelo Jivago (embora goste muito do Pasternak poeta), nem pelos calhamaços de Soljenitsine. Resistentes? Excelente. Mas prefiro descobrir um autor por outros motivos que não a política.

No entanto, reconheço que por vezes a política apenas torna mais conhecidos escritores que há muito eram importantes pelos seus méritos especificamente literários. Muitos idiotas disseram que Rushdie não era ninguém antes da fatwa, o que mostra uma ignorância total sobre o romance inglês contemporâneo. Rushdie há considerado, desde o início dos anos 80, o escritor asiático de língua inglesa mais destacado (e são cada vez mais os autores «Commonwealth» no panorama inglês). Midnight's Children (1982), por exemplo, tinha sido considerado, numa votação, como o Booker mais importante da história do prémio. Não foi Khomeini que o fez o escritor que já era.

Agora, aconteceu-me descobrir um autor que só me dizia alguma coisa por causa da política, e de quem só tinha lido artigos políticos: Raúl Rivero. Para mim, Rivero era «apenas» um dissidente cubano. Um dissidente que é poeta e está preso. Depois, comecei a descobrir que era um poeta muito interessante. Num artigo de Paul Berman (via A Praia) contra a detestável mitologia do Che, dei com uma tradução inglesa deste poema, que deixo aqui na versão original:


ORDEN DE REGISTRO


¿Qué buscan en mi casa
estos señores?

¿Qué hace ese oficial
leyendo la hoja de papel
en la que he escrito
las palabras "ambición", "liviana" y "quebradiza"?

¿Qué barrunto de conspiración
le anuncia la foto sin dedicatoria
de mi padre en guayabera (lacito negro)
en los predios del Capitolio Nacional?

¿Cómo interpreta mis certificados de divorcio?

¿Adónde lo llevaran sus técnicas de acoso
cuando lea las décimas
y descubra las heridas de guerra
de mi bisabuelo?

Ocho policías
revisan los textos y dibujos de mis hijas
se infiltran en mis redes afectivas
y quieren saber donde duerme Andreíta
y qué tiene que ver su asma
con mis carpetas.

Quieren el código de un mensaje de Zucu
y en la parte superior
de un texto críptico (aquí una leve sonrisa triunfal
[del camarada)
“Castillos con caja de música. No dejo salir
al niño con el Coco. Yeni”.

Vino un especialista en intersticios
un crítico literario con rango de cabo interino
que ausculto a punta de pistola
los lomos de los libros de poesía.

Ocho policías
en mi casa
con una orden de registro
una operación limpia
una victoria plena
de la vanguardia del proletariado
que confiscó mi máquina Cónsul
ciento cuarenta y dos páginas en blanco
y una papelería triste y personal
que era lo más perecedero
que tenía ese verano.



O motivo é político, mas isto é poesia, não apenas denúncia. Poesia irónica, alusiva, desesperada, original. Não é um bom poema porque o poeta está preso, ou porque o regime é iníquo. É um bom poema porque é literatura. E depois, claro, é também a denúncia de um regime iníquo. E o homem que escreveu o poema está preso. Mas o poema não está. [P.M.]

10/21/2004

MAGNETIC FIELDS: (em breve)

10/17/2004

DAR A QUEM: Jacques Lacan não é santo da minha casa. Mas pertence a Lacan uma das frases mais fabulosas sobre o amor. Uma frase que agora atiro à cara (à minha cara), como chapadas de água num dia mau. A frase é esta: Aimer c'est donner ce qu'on a pas a quelqu'un qui n'en a pas besoin. Nada aqui está a mais ou a menos: dar o que não temos a quem não precisa. Se isto não é triste como a merda, não sei o que é triste no mundo. [P.M.]

10/15/2004

A PRIMEIRA VEZ: É a primeira vez. Ou, como se diz em teatro, a estreia. E para mim é mesmo uma estreia. Se ainda não sabem, espreitem aqui. É urgente. [P.M.]

10/10/2004

DERRIDA: (em breve)

10/08/2004

RODNEY DANGERFIELD: Rodney Dangerfield. Nem sabia bem quem era. Mas dava sempre com esse nome em dicionários de aforismos e em textos sobre comédia. Comecei a decorar algumas das suas frases. E a perceber que se tratava de um mestre no meu género favorito de humor: a auto-depreciação. Investiguei. Descobri que conhecia aquele velhote com órbitas desorbitadas e cara de aperto intestinal de alguns filmes menoríssimos. Mas Rodney era essencialmente um cómico, de stand-up e outras rotinas, que se tinha posto como personagem de derrisão e chacota. Fiquei fascinado com frases como estas.

Every time I get in an elevator, the operator says the same thing to me: “Basement?”

I played hide and seek; they wouldn't even look for me.

If it weren't for pickpockets, I'd have no sex life at all.

(A minha favorita, naturalmente).

I'm not a sexy guy. I went to a hooker. I dropped my pants. She dropped her price.

I was so depressed that I decided to jump from the tenth floor. They sent up a priest. He said " on your mark ......"

A girl phoned me the other day and said .... "Come on over, there's nobody home." I went over. Nobody was home.

Last week I told my psychiatrist, «I keep thinking about suicide». He told me from now on I have to pay in advance.


Outros one-liners eram mais convencionais, mas não menos hilariantes. Dangerfield satirizava a família e a sua inadequação.

I looked up my family tree and found three dogs using it.

I come from a stupid family. During the civil war my great uncle fought for the west

When I was born, the doctor said to my father, «I'm sorry, we did everything we could but he still pulled thru».

I could tell my parents hated me. My bath toys were a toaster and a radio.

I remember the time I was kidnapped and they sent back a piece of my finger to my father. He said he wanted more proof.


E havia a personagem cómica por excelência, a «esposa».

One thing about my wife, she gives great headache.

My wife wants sex in the back of the car and she wants me to drive.

I told my wife the truth. I told her I was seeing a psychiatrist. Then she told me the truth: that she was seeing a psychiatrist, two plumbers, and a bartender.


Nos últimos dois anos, em grande medida por causa dos blogues, tive oportunidade de usar um registo diferente, mais ligado ao humor e à ironia. E muito centrado na auto-depreciação, um género que adoro (influência de Woody Allen, sobretudo) e que em mim é ao mesmo tempo exercício de estilo e reflexo sincero da minha opinião sobre mim próprio. Nesse campo, Rodney Dangerfiel era um dos grandes.

Digo «era», porque acaba de morrer. Não lhe conheço muitas piadas sobre a morte. Mas sobre as boas intenções (que sempre saltam para os epitáfios) deixo esta:

They say «love thy neighbor as thy self». What am I supposed to do, jerk him off too? [P.M.]

10/05/2004



RICHARD AVEDON (1923-2004): John Ford, por Richard Avedon.

SYMPATHY FOR THE LOSERS: Sou benfiquista 364 dias por ano. Mas neste dia sinto-me sempre azul e branco. [P.M.]

10/04/2004

CURRÍCULO: Hoje, 4 de Outubro de 2004, Vitor Espadinha enviou-me hate mail. [P.M.]

PSICOPATOLOGIA DA VIDA QUOTIDIANA: Não sei porquê, de vez em quando dou barraca com as mensagens escritas. Já mandei a uma pessoa um SMS sobre essa pessoa (destinado obviamente a um terceiro). Já mandei a uma pessoa um SMS destinado a um terceiro e em que (para cúmulo) citava (erradamente) o nome dessa pessoa. Já mandei SMS em branco (sem dar por isso). Já mandei um SMS a mim mesmo. Talvez isto se trate. [P.M.]

10/03/2004

INDIE LISBOA, FIM: Antes da sessão de encerramento desta noite, foram anunciados os prémios do primeiro Indie Lisboa: Le Monde Vivant, de Eugéne Green (melhor longa-metragem); Con Qué la Lavaré?, de Maria Trenor (melhor curta-metragem); Lisboetas, de Sérgio Tréfaut (melhor fime português); Alice et Moi, de Micha Wald (prémio do público); A Cara que Mereces, de Miguel Gomes (prémio da crítica). Quase tudo filmes que queria ver, mas que acabei por perder com a política de «um dia um filme». Grande galo. Ainda por cima amanhã (repetem os premiados) não posso ir ao epílogo do Indie. Em todo o caso, aqui fica o meu voto como filme favorito, pelas razões explicadas: La Niña Santa de Lucrecia Martel.

E acabou-se. O primeiro Indie tem nota 8/10. Problemas, só dei com três: uma falha numa legendagem, alguns atrasos, a sauna em que se tornaram certas salas (parece que o ar condicionado está de férias em Bali).

No mais, só elogios: boa organização, bom site, salas cheias. A recuperação do S. Jorge para o cinema e para a cidade. Como há muito não se via. Uma programação variada e globalmente de qualidade. Muita malta nova. Muita miúda gira. E a simpatia que foi a acreditação de bloguistas. Cortesia desta menina (obrigado, Sara).

Aposta ganhísisma. Parafraseando o anúncio: Lisboa já tem um festival de cinema. Parabéns Miguel Valverde, Nuno Sena e Rui Pereira. Parabéns Lisboa. Para o ano há mais. [P.M.]

INDIE LISBOA, DIA 9: Super Size Me (2003), de Morgan Spurlock (EUA)

Super Size Me é mais um documentário sob a égide de Michael Moore, no qual o documentarista é «actor» ou «personagem» central. É igualmente um documentário «de causas». E funciona como uma experiência radical, quase no domínio da «body art».

Morgan Spurlock decide comer no McDonalds (e apenas aí) durante um mês. Nesse período, vai documentando o seu estado de saúde (decrescente), enquanto faz um breve historial da junk food na América.

A primeira parte do filme tem alguma graça, na originalidade com que o documentarista é objecto de estudo (nomeadamente nas abundantes consultas médicas). A segunda parte é apenas bater em mortos. O que nos diz Morgan? Que a junk food, de acordo com inúmeras entrevistas e exemplos:

1) faz mal
2) provoca obesidade
3) é um empório
4) é capitalismo puro.

Duh.

Mas, a dado momento, o filme entra numa espiral algo problemática. É quando foca a questão da obesidade. É evidente que a junk food provoca obesidade, e que está na origem do surto de gordos nos EUA. Mas, vendo o filme de Spurlock, ficamos com a impressão que a obesidade foi criada pela McDonalds. Como se todos os obesos o fossem por comer junk food (ou mesmo por comer demais). Um rotundo disparate.

Mais: o cineasta vai ao ponto de focar a questão do «estigma social»; um dos entrevistados, editor da revista libertária Reason, diz mesmo que existe um «estigma social» do fumador e que não existe o «estigma social» do gordo. Acontece que Spurlock, um documentarista «liberal», parece muito preocupado com a criação desse estigma. Quero dizer: em contribuir para isso. Uma coisa lamentável.

As pessoas são livres de fazerem o que quiserem consigo mesmas, incluindo arruinar a saúde. Os outros só têm direito de ingerência na medida em que algum comportamento afecte a saúde pública. Ora a obesidade é essencialmente uma questão privada (nomeadamente porque não há contágio).

Super Size Me quase promove o estigma social da obesidade (um assunto ao qual eu, por razões óbvias, sou sensível). E aí, Morgan Spurlock embarca na patetice do dirigismo politicamente correcto, um dirigismo com conotações morais: dizer o que as pessoas devem ou não fazer (neste caso, comer).

Cada um sabe de si, e ninguém com dois neurónios ignora que a junk food faz mal. Como ninguém ignora que a obesidade é um factor de risco para muitas doenças. Mas as pessoas que comem demais ou que são gordas têm direito a isso, sem o «despotismo esclarecido» de gente como Spurlock.

Ainda por cima, Super Size Me é formalmente informe (obeso?), sem elegância nem brilho. É só registo, sem nenhuma criação. Quase tudo às três pancadas (incluindo a montagem), com algumas gargalhadas fáceis mas sem nenhum rasgo de cinema. Uma decepção. [P.M.]

10/02/2004

INDIE LISBOA, DIA 8 (cont.): Programa de curtas-metragens, entre as quais The Last Costumer (2002), de Nanni Moretti (Itália)

Sobre a sessão de curtas não tenho mesmo nada a dizer. Algumas estavam fora do meu campo de interesses (filmes experimentais e de animação) e, com estes exemplos, continuam fora. Rabiscos e bichos esfolados não são my cup of tea.

Só espreitei esta sessão por causa de Moretti. Mas The Last Costumer é incaracterístico, apenas uma elegia bondosa sobre o encerramento de uma farmácia. A farmácia ficava em Nova Iorque. Os donos eram italianos. Toda a gente é muito decente e comovente. Não há metáforas. Ouvimos canções dos Eels e de Jeff Buckley (uma cover de Cohen).

Mas o filme tanto podia ser de Moretti como do meu primo Carlos Francisco. [P.M.]

INDIE LISBOA, DIA 8: Struggle (2003), de Ruth Mader (Áustria)

Depois de Free Radicals devia ter aprendido a lição. Mas, por uma questão de agenda, acabei por apanhar com outro filme austríaco, Struggle. A sinopse, prometedora, referia dois temas que me interessam: a apanha de morangos e a troca de casais.

É um sinopse errónea. Na primeira parte, um documentário mudo e chato como a potassa, também se embala carne, lava uma piscina e outras coisas laborais. O registo é o do costume: as margens inóspitas do «sucesso comunitário». Emigração, imigração, ilegais, exploração do homem pelo homem. (Bocejo).

Na segunda parte, aparece «o burguês». «O burguês», enfadado, pratica algumas formas de sexo radical (nomeadamente a troca de casais). E compra, como escrava, a mulher da primeira parte.

É tudo. São 75 minutos atrofiados, aterrorizados, atrozes.

Se isto é o Novo Cinema Austríaco, então prefiro de longe o Novo Cinema Saudita. Que tem a grande vantagem de não existir. [P.M.]

10/01/2004

INDIE LISBOA, DIA 7: Free Radicals / Bose Zellen (2003), de Barbara Albert (Áustria)

Free Radicals, a primeira pessegada que apanho no Indie, é uma espécie de Magnolia para pessoas com retenção anal. Michael Haneke de oitava apanha. Cerebral, como o compatriota, mas sem nada na cabeça.

Histórias interligadas de gente comum (embora miseravelmente infeliz, na fronteira da faca e alguidar). E com um extra: a Teoria do Caos a dar um aspecto «conceptual» à coisa. Se uma borboleta bate as asas na China o que acontece numa cidade austríaca? Bem, se é isto que acontece, algum chinês que pregue o estupor da borboleta a um álbum. A narrativa de tristezas comezinhas de Free Radicals não se aguenta. Histórias, histórias, histórias, nada contra, mas sem um vestígio de imaginação ou de pertinência. Bocados de biografias, só isso. E depois uma grande «teoria», como um chapelinho num daiquiri. Que grande foda.

Speaking of which, este filme tem o número mais elevado de cenas de sexo deprimente de que me lembro. Nunca tinha visto um filme mais sexualmente pessimista do que eu (e estou a contar com os do Jerry Lewis).

Mais uma coisa: a realizadora parece a Riefensthal. Esteticamente, não é depreciativo. Mas creio que os penteados terão evoluído desde 1933. [P.M.]