7/30/2004

COMO UMA VIRGEM: Em metade de uma manhã, os bilhetes para o concerto de Madonna voaram. Não é surpreendente. Mas, para mim, é impensável.

Sempre fui totalmente insensível à Ciccone. Segundo parece, há umas quatro razões para apreciar a criatura: a música, o sexo, a provocação, o ícone cultural.

O ponto um e dois, para mim, simplesmente não se põem. Mais depressa comprava um álbum, digamos, das Bangles que da senhora dona Madonna. E mais depressa embasbaco com a Minogue que com a Monroe dos tansos.

O ponto três chegou a prometer, mas foi pólvora molhada. As provocações de Madonna, sobretudo as de tema religioso, tinham alguma graça. Mas, em rigor, só «provocavam» pregadores catódicos e outros moluscos. A «provocação» é arte para poucos. E não era certamente a mostrar as maminhas e a fazer fufices que Madonna se tornava uma «provocadora», numa época em que o sexo é o mais «mainstream» dos produtos «mainstream». Com a publicação do álbum fotográfico Sex percebi definitivamente que não havia nada a esperar daquela cabecinha. Sex é a maior vulgaridade comercialona e kistch que se fez nas últimas décadas (Martin Amis demoliu a bostinha com prosa venenosa). Madonna não provoca indignação nem tesão, apenas sonolência.

E chegamos ao item no qual Madonna pode com alguma seriedade reclamar o seu mérito. Estou muito longe de embarcar nos ditirambos de João Lopes ou nos de Camille Paglia, mas reconheço o óbvio: Madonna é a mulher mais importante da história da cultura pop. O que não é uma coisa de nada, convenhamos. Reconheço a sua capacidade de desdobramento, o seu faro, a sua inteligência, a sua capacidade de gestão de uma imagem e de uma carreira. Infelizmente, sempre foi uma inteligência de superfícies, sem uma ideia importante e sólida, meramente estribada nos oportunismos e manias do momento (v. a actual pancada pela Cabala).

Concordo com J. Lopes: Madonna conhece o actual ethos da imagem na palma da mão, e sabe usar extrordinariamente bem essas coordenadas. Concordo com Paglia: com Madonna as mulheres tiveram um momento importante de empowerment (como dizem as feministas). Mas, se não se importam, para empowerment prefiro P.J. Harvey,Liz Phair, mesmo Tori Amos. E sobre imagens, temos sempre David Bowie(e eu nem sou fã).

Muito tem sido dito sobre Madonna. Coisas assim. Mas, para mim, o que há a dizer sobre Madonna ficou dito em 1992, num filmezinho independente que me fez saltar da cadeira. De Quentin Tarantino, Reservoir Dogs, cena 1:


MR. BROWN
What the fuck was I talking about ?

MR. ORANGE
You said "True Blue" was about a guy, you said it's a girl who meets a nice guy. But "Like a Virgin" was a metaphor for big dicks.

MR. BROWN
Ok, let me tell ya what "Like a Virgin"'s about. It's all about this cooze who's a regular fuck machine. I'm talking, morning, day,night, afternoon. Dick, dick,dick,dick, dick,dick, dick, dick, dick.

MR. BLUE
How many dicks is that?

MR. WHITE
A lot.

MR. BROWN
Then one day she meets a John Holmes motherfucker, and it's like, whoa baby. I mean, this cat is like Charles Bronson in "The Great Escape." He's diggin tunnels. Now she's gettin this serious dick action, She's feelin something she ain't felt since forever. Pain. Pain.

JOE
Chew? Toby Chew? No.

MR. BROWN
It hurts. It hurts her. It shouldn't hurt. You know, her pussy should be Bubble-Yum by now. But when this cat fucks her, it hurts. It hurts like it did the first time. You see the pain is reminding a fuck machine what is once like to be a virgin. Hence, "Like a Virgin."
[P.M.]

7/29/2004

SCORING: O «sex-hungry England coach Sven Goran Eriksson» continua numa de coroas enxutas. Nancy Dell’Olio, Ulrika Johnson, Faria Alam, o mister não pára. Aí está um que não falha penalties.

UM BOBO DESONESTO: Michael Moore é um bom comediante. E um bom agitador político. Mas não é, de modo nenhum, um «documentarista». Um documentarista mantém um compromisso mínimo com a verdade. Não com «a verdade» metafísica, mas com a verdade como processo. É o que têm feito, de modo notável, Frederick Wiseman ou Errol Morris. Em Moore, pelo contrário, tudo está ao serviço da propaganda e do entretenimento. Nos seus filmes raramente encontramos uma cena que não recorra a formas de desonestidade factual ou moral. Sobre os erros de facto, distorções, exageros e atoardas na obra de Moore existem centenas de artigos e sites.Confrontado com essas falhas, Moore tem respondido que não faz sentido sublinhar em demasia a questão factual, uma vez que os seus filmes são essencialmente «comédias». O mais chocante, nos seus filmes, não é porém a manipulação dos factos mas a manipulação das pessoas. É chocante, por exemplo, o vivo desprezo que o cineasta dedica aos seus entrevistados sempre que esses entrevistados não comungam do seu chomskianismo rasteiro. E como os despreza, vai deixando armadilhas de sintaxe e de retórica que contribuem para que «o outro» apareça sempre como um ogre ou um pateta. Se um «documentarista» filma gente comum ou incomum apenas para expor, manhosamente, o que essa gente tem de grotesco, então o dito «documentarista» está ao nível do reality show mais degradante. Dito isto, Fahrenheit 9/11 não atinge o grau de vileza de Bowling for Columbine. Desde logo porque é apenas um filme contra Bush, não um filme contra a América.

Este depoimento, publicado no DN, tem como ocasião a estreia do filme «Fahrenheit 9/11». Republico o texto no blogue porque me têm pedido a opinião sobre Moore, como forma de corrigir um lapso que aparece no texto e sobretudo para deixar o link para um dos melhores artigos sobre o filme, de autoria de Christopher Hitchens. [P.M.]

7/28/2004

ZURICH: Há versos incompreensíveis que adoro (versos de canções, neste caso). Certamente que alguns têm um sentido, são uma citação ou uma alusão ou um jogo verbal (outros foram esgalhados à entrada do estúdio e não querem mesmo dizer nada).

Um exemplo: adoro o verso

Zurich is stained and it's not my fault

sobretudo por causa de

Zurich is stained

(Pavement, Slanted and Enchanted, 1992).

Não faço ideia se a frase significa alguma coisa. Nem sei se quero saber. Gosto apenas de repetir

Zurich is stained

e chega-me (sobretudo para mim, que detesto a Suíça).

Só isso

Zurich is stained.

E chega. [P.M.]

NO DENTISTA: Sempre que vou ao dentista, ouço a mesma frase: «isto está num estado lamentável». Ao dentista? Sempre que vou a um médico. A um médico? Sempre que estou com uma pessoa. Com uma pessoa? (etc etc etc). [P.M.]

7/27/2004

SAMPAIO & SAMPAIO: Segundo a LUSA (em notícia transcrita pelo Público), o Presidente Jorge Sampaio participou na cimeira da CPLP em São Tomé e Príncipe, «onde foi recebido pelo seu homónimo são-tomense». Assim mesmo: homónimo. Ainda pensei que fosse erro, que quisessem dizer «homólogo», mas não, a LUSA nunca se engana e raramente tem dúvidas, ou não fosse dirigida por Luís Delgado. O presidente de S. Tomé é mesmo homónimo de Sampaio.

Eu devo dizer que suspeitava: «Fradique de Menezes» era um nome inacreditavelmente queirosiano, um pouco abetalhado, impossível num líder africano. «Jorge Sampaio» faz muito mais sentido. Admito: é um pouco estranho ver um Jorge Sampaio a receber outro Jorge Sampaio. Mas pelo menos nunca lhes falta tema de conversa. [P.M.]



MEXE REMEXE: Não sei se era uma observação se um trocadilho: S. diz que o meu pessimismo tem origem «em tudo o que mexe». É verdade. Mas não é toda a verdade. O meu pessimismo também tem muito a ver com tudo o que não mexe. [P.M.]

7/26/2004

QUASE HOMENAGEM AOS UHF: «Fui de rapaz até homem» é um pouco exagerado, e além disso, às vezes, também se dorme.[P.M.]

CONVERSA: As mulheres «que nos seduzem com a sua conversa». É uma categoria que elogiamos, para nos arrogarmos um atestado de maturidade. Infelizmente, é quase sempre mera teoria.

Eu sou imensamente seduzível pela conversa. E imensamente seduzível pelas mulheres, de todas as maneiras imaginárias. Mas nunca aconteceu que uma mulher «me seduzisse pela conversa». Sou um tenebroso machista, dirão. É possível.

Mas, reconheço, há mulheres que, «pela sua conversa», criam uma espécie de jogo de sedução. Não quero concretizar essa sedução, mas nem sempre fico imune ao jogo. Há mulheres com quem simplesmente me apetece conversar.

Dou um exemplo. Acho que Dido (essa mesmo) deve ser uma mulher interessante para conversar. A sua beleza não é demasiado canónica, tem traços escorreitos, claros, um pouco maduros, um pouco tristes, um pouco acima de tristeza.

Dou outro exemplo. Algumas mulheres da blogosfera são assim. Num mundo estatisticamente masculino, dão cartas com a sua sedução brincada, ou arrapazada, ou desconstrutiva, ou citacional. E resulta, pelo menos comigo. Por mim, aliás, podemos ir tomar café. Mas a verdade é que as mulheres «com conversa» costumam preferir homens bonitos. Faz sentido: se «têm conversa» é porque não são parvas. [P.M.]

7/25/2004

JARMUSCH (2): Coffee and Cigarettes é um filme em episódios. Uma brincadeira conceptual. Um exercício de estilo. Mas também um agregado de ludismos, preguiças, minimalismos. Raramente um filme de Jarmusch me encheu as medidas (com excepção de Ghost Dog), mas em todos encontro um «less is more» que me é (cá está) familiar, e que tem contornos que me arriscaria a chamar «morais». Coffee and Cigarettes é «sobre» café e cigarros, sobre pequenos prazeres, sobre a conversa mole, sobre coisa nenhuma. Mas há quase sempre um ponto que me atrai em cada cena (melhor diria: em cada «sketch»). Bill Murray a fazer de Bill Murray. Os dois velhos beckettianos a delirar com o passado e a morte, com Mahler em fundo. A brilhante sátira ao ethos de Hollywood desempenhada com verve por Alfred Molina e Steve Coogan. Tom Waits a espiar se uma jukebox tem ou não canções de Tom Waits. Ou mesmo a mulher lindíssima que simplesmente não quer mais café, porque espera, porque não quer conversa, porque está farta da sedução, por razão nenhuma. Um filme menor? Certamente. E certamente um filme dos meus. Da família. [P.M.]

JARMUSCH (1): Há grandes cineastas que nunca serão «da minha família». Mesmo que me fascinem alguns dos seus filmes, não pertençp à família Fassbinder, Resnais, Rosselini ou Coppola. Em contrapartida, mesmo nos filmes «menores», sou da família Scorsese, Schrader, Wenders, Bresson. E da família Jarmusch também. [P.M.]

7/24/2004

ERRATA: Ok ok, nem só por causa dos caninos.[P.M.]

CANINOS: Há mulheres lindas porque têm (por exemplo) os olhos lindos. Mas só Kirsten Dunst é linda por causa dos dentes caninos. [P.M.]

BIG DEAL: O Homem Aranha trepa pelas paredes acima. Chamam a isso, imaginem, os seus «poderes». Grande treta. Se eu fosse namorado da Kirsten Dunst trepava pelas paredes nas calmas.[P.M.]

7/23/2004

O MELHOR AMIGO DO BLOGUE: O post sobre o «panamá» ficou semanas a guardar uma ausência. Acabou metáfora dos nossos afazeres e de alguma preguiça. Deu em private joke. O Fora do Mundo tem momentos assim, de paragem. É um blogue sem agenda e sem obrigação. Regressamos agora. E agradecemos ao nosso bom e leal panamá. Da existência. [P.M.]